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O HOMEM QUE FEZ PACTO COM O DIABO

03/01/2014 16:23
Texto baseado no Causo de seu Salu para apresentação do Folclore.
 
Título: O HOMEM QUE FEZ PACTO COM O DIABO
 
Autoria: Cátia Garcez/agosto de 2009
 
Personagens:
 
1. Pai de Salustiano (Homem medroso, mas ambicioso)
 
2. Mãe de Salustiano (Mulher devota e sábia)
 
3. Salustiano criança (Ambicioso)
 
4. Salustiano jovem (Arrogante e Ambicioso)
 
5. Salustiano velho (Cansado e arrependido)
 
6. Diabo (Típico do imaginário nordestino)
 
7. Maricota (Mulher que passa com trouxa de roupa na cabeça)
 
8. Filha de Mariana (Criança medrosa)
 
9. Osvaldo (Trabalhador do campo)
 
10.Matilde (Comadre da mãe de Salu)
 
11.Maroca
 
12.Zinha
 
Sala de casa de taipa, com pouca mobília e sinais de pobreza.Entra Salu, ainda criança com 
 
sua mãe e seu pai.
 
Pai - Vem cá Salustiano. 
 
Salu - Senhor meu pai.
 
Pai - Meu filho o que você quer ser, quando crescer?
 
Salu - Eu quero ser rico... (Acompanha o diálogo dos pais movendo a cabeça para um e 
 
para outro)
 
Mãe - Que é isso meu filho? Ser rico lá é profissão? Tem que procurar estudar pra ser 
 
alguém na vida!
 
Salu - Eu não quero estudar não... Eu quero é ficar rico... Muito rico... Muito rico.
 
Mãe - Mas meu filho... (Se lamentando) Ó pra isso homem!
 
Pai - Deixa o menino, mulher... Se for rico que ele quer ser... Então que seja rico.
 
Mãe- Mas eu quero saber, é como? Somos pobres homem. Não fique botando coisa na 
 
cabeça do menino... Nascemos e nos criamos aqui no Jacaré... Você queria ficar rico. 
 
Ficou? Não ficou!
 
Pai – Não fiquei por que fui frouxo! Se eu tivesse aceitado o acordo com o tinhoso, nos tava 
 
é no bem bom!
 
Mãe – E com a alma condenada pra sempre... Esquece isso. Somos pobres, mas temos a 
 
graça de Deus!
 
Pai – Mas foi você a causa de tudo... Pegou logo barriga, para segurar marido... E eu besta, 
 
me desviei de meu destino...
 
Mãe – Que destino João? (irritada) Tu é filho de trabalhador e trabalhador tu é! E assim que 
 
ganhamos a vida: trabalhando!
 
Salu - (Determinado) Quero trabalhar não! Eu quero ser rico...
 
Pai - Ta vendo! Ninguém tira isso da cabeça dele!
 
Mãe - Valei-me nossa Senhora, dá juízo a esse menino! (Pega o menino pela mão) você 
 
tem que aprender a trabalhar na roça, pra ajudar seu pai que tem a cabeça oca igual a sua! 
 
(Solta o filho e ajoelha-se na frente do altar pegando o terço para rezar)
 
Pai - Esse menino vai longe, não vai ser tapado igual a mim! Há! Isso não vai não! 
 
Mãe- Ajoelha aqui meu filho e pede a nossa Senhora pra te proteger...
 
Salu- Estou cansado mãe... Não quero rezar não! (falando pro pai) - Fala com ela pai...
 
Mãe- Ajoelha que eu estou mandando... (puxa o filho pelo braço).
 
Pai – Deixa o menino mulher! Tu reza desde pequena e não vi que serventia isso te trouxe. 
 
Vai dormir moleque vai! (Salu sai correndo sob os protestos da mãe).
 
Mãe – (Levantando-se) Pois veja o que está fazendo com o nosso filho! Deus não se serve 
 
dessas coisas. (saindo) Deus não se serve dessas coisas.
 
Pai – (Com paciência) O que tiver de ser será! Ele há de ter mais coragem do que eu... 
 
Cenário de um quarto com três camas e um oratório sobre uma penteadeira. Abre-se a 
 
cortina e Entram três mulheres discutindo e falando ao mesmo tempo.
 
As três - Valei-me meu Santo Antonio, que eu quero um marido!
 
Maricota – Que agonia é essa minha gente?
 
Maroca – Você não soube? Até a Dulce e Lene vai casar... só agente que não casa.
 
As três - Ai meu santo Antonio! Ai meu santo Antonio! Ai meu santo Antonio...!
 
Maricota – (Gritando interrompendo com uma bofetada nas duas) Caladas! Tão danadas? 
 
Não tem santo que agüente uma ladainha dessas... (fala pro Santo Antonio) olhe! É com 
 
você mesmo que eu to falando Santo Antonio... Eu sei que elas exageram mas aí já é 
 
sacanagem sua... Dulce casar com Lene e agente aqui no barricão? 
 
Maroca - Manda aí meu santinho um homem pra minha mão... O que?(ouvindo a resposta 
 
do santo) Ta faltando home?(gritando)
 
As duas - Ai meu santo Antonio (em coro três vezes)
 
Maricota- Caladas! Pois até o Futi que apareça aqui eu caso!(para o público) O futi é home 
 
igual a qualquer outro... Então eu caso! Solteirona igual a essas duas é que não vou ficar...
 
As duas - Ai, ai, ai... Estamos perdidas.
 
(Chega à janela o homem bonito.)
 
Diabo – olá! (para Maricota) o Tonhão mandou te procurar!
 
As duas – A nós?
 
Maricota – Não! A mim! Qual é a sua graça?
 
Diabo– Sou a sua desgraça, vim te arrebatar!
 
Maricota – Me arrebata! Gostoso!
 
As duas – Maricota!
 
Maricota - Gostoso!
 
As duas – Maricota!
 
Maricota- Gostoso!
 
As três – Maricota!
 
Maricota – Que é? Mas que inferno! Que é rebanho de peste! (com raiva e ainda seduzida)
 
As duas – Ele é o capeta (assustada enquanto o Diabo se apresenta neste momento com 
 
dentes grandes e chifres)
 
As quatro – Valei-me Nossa Senhora que é mãe de nosso senhor, livrai-me desse inimigo, 
 
eu te peço, por favor.
 
Diabo– Desse jeito não dá! Se não Agüenta pra que chama! (sai)
 
Maricota – Ai graças a Deus! Essa foi por pouco... Vamos meninas estamos atrasadas pra 
 
missa (saem).
 
(Entra salustiano, já homem, com o pai.)
 
Pai – Então meu filho, você conseguiu o pedaço de terra que queria? 
 
Salu - Que nada pai, o dono aumentou o preço e não aceitou dividir o pagamento... Pai 
 
preciso dá um jeito em minha vida... Aqui na roça quem não tem terra é escravo o tempo 
 
todo. (Desanimado)
 
Pai - Calma meu filho, você ainda vai conseguir seu roçado...
 
Salu - Que roçado pai? Eu quero é criar gado... Ter fazenda com plantação pra perder de 
 
vista... Não desistir de ficar rico... Mas por mim só, já vi que não consigo. (Pensa um pouco) 
 
Pai... É verdade que o Diabo te procurou pra fazer um trato?
 
Pai - Tua mãe não quer que eu fale dessas coisas...
 
Salu - Foi verdade ou é conversa fiada do senhor?
 
Pai - E eu sou homem de conversa fiada Salustiano? Pois foi sim. A coisa ruim me procurou. 
 
Se bem que eu já tava atrás dele a tempo... Mas na hora do acordo... (Se treme) Eu fui 
 
muito frouxo... Ele pediu pra eu assinar o papel com sete gotas do meu sangue...
 
Salu - E o que ele oferecia em troca?
 
Pai - Tudo que eu quisesse!
 
Salu - Por sete gotas de sangue... Há eu dava...
 
Pai - Bate na boca Salu! (Alertando) - E também não era só o sangue...
 
Salu - O que? (Curioso) Fala pai!
 
Pai - Ele queria me dá uma surra todo ano!
 
Salu - Uma surra por ano? E o senhor não aceitou?
 
Pai - Tua mãe não deixou!
 
Salu - Mas porque, se não era ela que ia apanhar?
 
Pai – Por que você também tava no trato... Se eu não agüentasse a surra você tinha que 
 
apanhar por mim!
 
Salu - Diacho! Mas eu era uma criança...
 
Pai - E com o Diabo tem esse negócio... Trato feito. Trato cumprido. (Saem conversando).
 
Entra Salustiano e começa a gritar
 
Salu - Cadê você seu filho de uma chocadeira? Comigo não quer trato? Procurou meu pai 
 
porque sabe que ele é frouxo! Comigo ninguém pode... Sou forte e tenho coragem! Queria 
 
me pegar quando eu era criança seu covarde... Vem agora que eu sou homem! Feito de 
 
enxofre!
 
Diabo - Me chamou... To aqui! Vê se não se borra todo como o frouxo do seu pai!
 
Salu - Não tenho medo de você! Comigo é outra história.
 
Diabo – O que você quer?
 
Salu - Ficar rico.
 
Diabo – Está disposto a pagar o preço?
 
Salu - A surra pra mim não é problema! Quer experimentar? Dou-te uma amostra grátis 
 
(Rindo).
 
Diabo - Hum... Está se amostrando agora... Já vi muitos iguais a você urinar nas calças na 
 
primeira lapada. Se quiser me pagar só com a surra... Então não dá pra ficar rico... Dou-lhe 
 
umas tarefas de terra, umas cabeças de gado e uns dois cavalos e você que faça aumentar.
 
Salu – Mas só isso?
 
Diabo – Pra quem paga pouco é até bom demais! E tem que assinar o contrato com 
 
sangue... Pra valer por toda a vida.
 
Salu - Quero mais!
 
Diabo - Eu também!
 
Salu – Quero vaca leiteira!
 
Diabo - Pra isso tem que deixar a unha crescer! Nunca cortar! Cada vez que cortar, uma 
 
surra a mais no ano.
 
Salu - Quero ter uma casa boa, na terra que vai me dar!
 
Diabo - Hum, não sei! (Pensa um pouco) Tudo bem. Para isso tem que pingar uma gota de 
 
limão em cada olho... Toda sexta-feira.
 
Salu - Virgem Maria!
 
Diabo – (Gritando) Vai afrouxar? Não me venha falar no nome dessa Dona na minha frente. 
 
É pegar ou largar!
 
Salu – Eu pego! Mas antes queria outra coisa... Que as pancadas seja só nas costas, 
 
porque assim eu posso esconder as marcas com a camisa... Sabe como é... O povo fala 
 
demais!
 
Diabo – Isso tem um preço! Vai ter que parar de sorrir... Se sorrir.
 
Salu - (Imita o Diabo) Aumenta mais uma surra no ano! (Concorda) Fechado!
 
Diabo – (Tirando o papel do Bosso) Leia pra vê se está conforme o combinado.
 
Salu – Eu não sei ler!
 
Diabo – Então vai ter que confiar na minha palavra...
 
Salu - Ai minha Nossa Senhora!
 
Diabo – (Para a platéia) De novo! (Para Salu gritando) – Vai afrouxar?
 
Salu - (Assustado) Não!
 
Diabo - (Pegando uma peixeira do cinturão) Vire a costa meu rapaz!(Rasga a camisa e fura 
 
as costas de Salu)
 
Salu - Aaaaaai! (Grita)
 
Diabo - Calma rapaz. Já vi que vai pedir penico! Pronto, terminou! (Mostra o papel sujo de 
 
sangue) – Assinado e lavrado no cartório!
 
Salu – E o que eu faço agora?
 
Diabo - Vai contar novamente aquele dinheiro que você vem juntando debaixo do colchão, 
 
pra comprar aquelas terras... Parece que multipliquei por mil... Vá lá menino... Daqui a um 
 
ano agente se vê.
 
Salu – Por mil? Peguei afeição por esse tinhoso...
 
Diabo – Eu também... (Para a platéia) tanto que já queria dá umas sovas nele ainda quando 
 
era pivete... Mas um ano passa rápido!
 
Entra Salustiano sem camisa com as costas cheia de sangue, unhas grandes e olhos 
 
vermelhados, correndo e gritando. 
 
Salu – Uai... Uai... Eu não agüento mais... Já chega! Já chega! (Ouve-se os açoites, 
 
mas não se vê de onde vem, enquanto Salu reage caindo e levantando) Ai... Ai... ai, vai-
te embora seu tinhoso... Desgraçado, miserável... Não me disse que a surra era um dia 
 
inteiro... (Cai quieto)
 
Entra a mãe enrolada em um xale.
 
Mãe - Minha Nossa Senhora, tenha piedade do meu pobre filho. Levante meu filho, venha 
 
curar essas feridas...
 
Salu – Eu devia ter te escutado mãe... Tem 30 anos que sofro com essa sina... A cada ano 
 
ele vem em um dia e eu passo os 364 outros, pensando na surra que vou tomar...
 
Mãe - È meu filho... Seu pai morreu com essa culpa: de ter botado essa doidera em sua 
 
cabeça. É como diz Padre Brito... De que vale o homem ganhar o mundo inteiro se vier a 
 
perder a sua alma...
 
Salu - Tem que ter um jeito de me livrar disso mãe... Já fui ao padre, no pastor, no pai de 
 
santo e nada...
 
Mãe - Meu filho você tem sua família, seus filhos e sua riqueza... Agora tem que pagar o 
 
que deve e pedir perdão a Deus pra livrar sua alma do inferno... (Entra um trabalhador do 
 
campo)-Seu Osvaldo me ajude a levar meu filho pra casa. (o homem sai rápido e entra uma 
 
mulher com duas crianças)- Mariana venha cá me ajudar com meu filho.
 
Criança - É seu Salu mãe. Não vá não, que ele pega... Ele ta com o Diabo!Uai eu tenho 
 
medo do diabo!
 
Mãe - Quieta menina! Tenho que lavar minha roupa. Agora não posso! (Para platéia) Ele 
 
que se vire, quem procura pimenta é por que tem o que comer! (Sai)
 
Entra Dona Matilde passando sem ver mãe e filho.
 
Mãe - Comadre Matilde me ajude a socorrer meu filho.
 
Matilde - De novo seu Salu... (Vai à direção dos dois) Antes era só dentro de casa, agora 
 
Ele (Faz o sinal da cruz) pega o senhor até na roça. Pois bem... O senhor sabe como se 
 
livrar d’ Ele (Sinal da cruz), mas fica na lamuria e não toma uma atitude. Tem que dividir 
 
seus bens com os pobres, ser solidário, amigo do povo... E se apegar a Nossa Senhora.
 
Salu- Está bem Dona Matilde, eu vou construir a capela pra nossa senhora pra ela me livrar 
 
desse pacto desgraçado que eu fiz dom o excomungado... Ai, ai, ai. (Levantando) E se ela 
 
não me atender!
 
Mãe - Deixe disso menino que Nossa Senhora e cheia de misericórdia... Vamos pra casa 
 
que tua mulher ta lá de cabelo em pé com medo de você ter morrido com essa surra.
 
Matilde – Faça uma capela bem bonita e mande rezar missa... Chame o povo seu Salu que 
 
rezar junto é melhor que rezar sozinho.
 
Salu - Vou agora mesmo contratar o povo pra construir a capela! (Sai)
 
Matilde - (Gritando) Nossa senhora há de te livrar do tinhoso (Faz sinal da cruz). Corte 
 
essas unhas, sorria seu Salu, o senhor é uma criatura de Deus! (saem)
 
Abre-se uma cortina na quarta parede de um tecido transparente e entra Artur apanhando 
 
novamente do diabo e entra Nossa Senhora.
 
Artur- Valha-me nossa senhora
 
Nossa Senhora (entrando) – Estou aqui meu filho! Deixe-o em paz! Que coisa feia!
 
Artur- me socorra minha Nossa Senhora... Eu não aquento mais sofrer.
 
Diabo- Afrouxou foi? Seu molenga!
 
Artur- Socorro mãe da humanidade!
 
Nossa Senhora- Calma meu filho que o socorro já chegou.
 
Diabo- Lá vem essa mulher... Não se meta na minha jurisdição.
 
Nossa Senhora- Cale-se criatura infeliz!
 
Diabo – Mas ele fez um trato comigo... Se ele se debandar pro seu lado vai ter que me 
 
devolver tudo com juros e correção.
 
Nossa Senhora- Você é desonesto... Fez ele assinar o contrato sem conhecer as 
 
penalidades...
 
Diabo- Eu tenho culpa se ele não sabe ler?
 
Artur- Me socorra minha virgem... Não agüento mais sofrer!
 
Diabo- Vai perder tudo seu frouxo? Frouxo pai frouxo filho...
 
Nossa Senhora- Cale-se criatura... Para tua alma não tem jeito, mas pra esse coitado tem: 
 
( desviando a atenção para Artur) - Então Artur... Você de agora em diante vai renegar o 
 
satanás... Abrir mão de sua riqueza e de todo o luxo... Construir uma capela em meu nome 
 
foi um gesto muito bonito... mas precisa purificar seu coração... Vem comigo meu filho que 
 
eu vou te amparar. (saem)
 
Diabo- Isso não vai ficar assim! Vou fazer queixa ao superior!...(neste momento todos 
 
entram e ficam no fundo do palco observando) Ai... Ai... Ai... Não vai adiantar... Ele dá 
 
sempre razão pra ela... Mas não tem problema... O que não falta é gente querendo uma 
 
mãozinha do Diabo! (Para a platéia) É só chamar viu?
 
Todos – Está repreendido! (cai a cortina)
 
FIM

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