ARTE, CULTURA E AUTOCONHECIMENTO PARA MELHOR QUALIDADE DE VIDA


Formação de agentes de Teatro no interior do Estado

02/01/2012 16:09

 

 

FORMAÇÃO DE AGENTES DE TEATRO NO INTERIOR DO ESTADO

 

Cátia Cristina Santana Garcez*

Carla Patrícia Bispo**

 

 

 

RESUMO

 

 

A RMTA – Rede do movimento do teatro Amador  da Bahia idealizou o Curso de Formação de “Oficineiros” de Teatro que atendeu na sua primeira edição os Territórios de Identidade Recôncavo e Região Metropolitana e na segunda edição o Território de Identidade Cultural Sertão de São Francisco. Este trabalho se apresenta como relato de experiência com o objetivo de socializar para a academia um projeto originado pela demanda de grupos de teatro e que possibilita o fortalecimento da qualidade dos espetáculos no interior do Estado da Bahia, da qualidade nos projetos de formação de platéia, do ensino de teatro nas escolas e em outros grupos sociais.

 

 

Palavras-chave: Teatro, formação, educação alternativa

 

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* Mestranda em Pós-Crítica Universidade Estadual da Bahia –UNEB

Catiagarcez@hotmail.com

**Professora e orientadoraUniversidade Estadual da Bahia- UNEB

 

1 A REDE

 

A Rede do movimento de teatro Amador da Bahia foi fundada em 2003 por grupos de teatro da Região Metropolitana de Salvador e Recôncavo com a finalidade de unir forças em favor do fortalecimento do teatro Amador no interior do Estado, principalmente por identificar uma política que centralizava os recursos de cultura na capital e não possuía uma política pública que reconhecesse o Teatro Amador enquanto movimento artístico vivo. Iniciada com apenas 8 grupos de teatro funcionou até o ano de 2006  como grupo informal, e se tornando pessoa Jurídica sem fins lucrativos em 2007, no momento de receber um Prêmio Cultura Viva do Ministério da Cultura ganhando a razão social de União de Amadores Cênicos da Bahia –UAC  mas não abrindo mão de sua estrutura em Rede.

 

Composta hoje de mais de 150 grupos de Teatro associados, em mais de 10 Territórios de identidade Cultural a Rede se coloca em meios a discussões sobre a cultura junto Instituições governamentais (Municipal, Estadual e Federal) e não governamentais, fortalecendo o movimento de teatro e o fomento da cultura no interior do Estado. A UAC tem como objetivo fortalecer a cultura mais especificamente o teatro  através da capacitação e formação dos agentes de teatro que pertencem aos teatro de Grupo  e da formação de platéia para as artes de um modo geral. Baseado nesses objetivos a Rede vem oferecendo cursos de preparação para todas as vertentes da técnica de fazer teatro e foi a partir de uma demanda específica na área de arte-educação que a Rede criou a Formação em Oficineiros de teatro.

 

 

2  DEMANDA

 

 Após diagnosticar as formas de repasse das experiências dos grupos, A Coordenação da Rede percebeu que nesses grupos tem sempre alguém que ensina teatro em escolas e/ou comunidade; A maioria dessas pessoas faz teatro com alguns conhecimentos técnicos, voltados mais para a formação do ator, mas sem embasamento para ensinar essas técnicas, principalmente para crianças e jovens; Também se identificou que havia uma freqüência na execução destas oficinas e cursos, mas que por falta de didática e metodologia, essas atividades acabavam por não contribuir com a formação de platéia tão importante para o fortalecimento do teatro no interior do Estado.

Conseqüentemente, os estudos sobre a dimensão pedagógica do Teatro não poderiam ficar indiferentes nem fugirem à discussão desse novo paradigma do funcionamento mental humano. Conhecer a abordagem histórico-cultural do desenvolvimento e incorporá-la ao exame de questões que dizem respeito ao ensino do Teatro deve contribuir para o esclarecimento das inter-relações entre Teatro e Educação. (VYGOTSKY; JAPIASSU, 1998)

 

A Rede no seu processo contínuo de articulação entre gestão pública, sociedade civil organizada e as universidades percebeu que mesmo os cursos na área de teatro oferecidos de forma institucional, naquelas comunidades, não abordam as questões de arte educação nem tão pouco a metodologia do ensino de teatro. Na sua maioria esses cursos se apresentavam com foco nos elementos cênicos relacionados à indumentária, iluminação, preparação do ator e a montagem que atendiam especificamente ao artista, no entanto esses artistas tendem a entrar no processo de arte-educação para aumentar a renda mensal, já que não consegue sobreviver de sua arte.

 

 O que ocorria com frequência, nas comunidades assistidas pela Rede eram oficinas que tinham o único objetivo de selecionar talentos, repassando métodos de preparação do ator, mesmo quando estas oficinas ocorriam dentro de uma escola com crianças do ensino fundamental I( 1º ao 5º ano). Através da prática de ensinar a arte pela arte, todo o processo de arte educação fica minado por um equívoco de se entender o ensino da arte com a finalidade de formar artistas e não formar cidadãos, impossibilitando crianças e adolescentes que freqüentam estas oficinas a terem oportunidades iguais independente de talento ou aptidão.

Dessa forma, são criadas as condições para que o aluno sinta-se bem ao manifestar seus pontos de vista e mostrar suas criações artísticas na sala de aula, além de favorecer a construção de uma imagem positiva de si mesmo  como conhecedor e produtor em arte. (IAVELBERG, 2003).

 

Percebendo que todos estes aspectos deixavam mais excluídos que incluídos no processo, alem da falta de planejamento pedagógico que diminuía ainda mais a credibilidade desses cursos, pois os próprios agentes de teatro afirmavam que as escolas só convidavam para montar espetáculos para datas comemorativas do calendário escolar mas raramente para oficinas longas que pudessem valorizar o processo, tanto quanto o resultado. Assim a rede elaborou o FORTE – Formação em Teatro. Um curso de capacitação onde os agentes de teatro poderiam associar sua prática ao fazer pedagógico nos espaços de arte educação.

 

2.1 ESTRUTURA DO CURSO

 

O Curso FORTE - Formação de Oficineiro de Teatro, aconteceu em duas edições nos municípios de São Sebastião do Passé e Juazeiro com o objetivo de capacitar agentes de teatro que possuem experiência prática  com interpretação e direção  tornando-os aptos para trabalhar sistematicamente com a metodologia do Ensino de teatro,  capacitando-os ainda, para a multiplicação do processo de formação de platéia no interior do Estado.Analisa ainda a demanda que gerou esta ação e as possibilidades  de interferência na comunidade que está inserida.

 

O projeto estruturado em 80 horas possui 40 horas presenciais onde os alunos assistem aulas de 15 disciplinas: História do Teatro I (O teatro no mundo), História do Teatro II (O teatro no Brasil), O Ludicidade e o jogo teatral, Planejamento, Avaliação no ensino da Arte, Preparação do Ator I (Construção do personagem), Preparação do Ator II(o ator e a cena), Teoria e Prática de Dicção na sala de aula, Didática, História da Educação, Metodologia do Ensino de Teatro, Por que Arte-Educação?, Ética e Cidadania, Expressão Corporal para o Teatro e Metodologia da Encenação. As outras 40 horas ficam distribuídas em 20 horas para orientação e apresentação de atividades via Chat de bate-papo no site www.uac-rmta.com e em 20 horas de estágio.

 

O Estágio acontece em forma de oficina na cidade onde reside o aluno, com no máximo 20 participantes por turma, possibilitando que o Redeiro (sócio da rede) faça uma relação de sua experiência de teatro, os conhecimentos sistematizados na etapa presencial do FORTE com a prática como arte-educador. Para finalizar cada aluno deve apresentar relatório contendo todas as etapas do estágio, inclusive fotos e relatório dos alunos do oficineiro, como forma de avaliação do processo.

 

2.2 FORTE I

 

O FORTE I aconteceu nos dia 1º a 4 de maio de 2008 em  São Sebastião do Passé, município escolhido pelo fácil acesso da Região Metropolitana de Salvador -Recôncavo e pelo apoio do espaço da casa da Cultura  oferecido pela Gestão pública municipal daquela cidade. Financiado com recursos dos próprios diretores da Rede e com professores voluntários o Curso se apresentava como projeto piloto e teve como única forma de divulgação: internet, telefone e o tradicional boca-a-boca. A princípio a atividade era direcionada para dois territórios de identidade Cultural, (Recôncavo e Região Metropolitana) devido a solicitação dos grupos daquelas localidades, no entanto, foram atendidos municípios de mais três territórios (atendendo desta forma a 38 agentes de teatro de 12 municípios (Candeias, Euclides da Cunha, São Sebastião do Passé, Salvador, Camaçari, Catu, Pojuca, Macaubas, Mata de São João, São Francisco do Conde, Ibotirama e Madre de Deus)pertencentes a um total de seis Territórios de Identidade Cultural do Estado da Bahia, superando todas as expectativas deste primeiro curso, possibilitando o ensino de teatro na escola priorizando o indivíduo e suas habilidades e consciência de se mesmo como  mostra trecho de relatório final de uma das alunas do FORTE I:

Iniciamos com andança ao som de diversos estilos, parando em diversos níveis, parada com ações, andando lento, apressado, pulando, buscando soltar o corpo irracionalmente. Partimos, então, para a atividade do “Espelho”. Em duplas, um refletiria a imagem do outro através da imitação de seus movimentos. Continuamos ainda a sessão de expressão corporal com a atividade “Esculturas”, onde cada dupla delinearia uma escultura com o corpo do outro. Finalizamos o nosso dia com reflexões orais acerca das atividades vivenciadas. Surpreendia-me cada sensação e experiência relatada pelos participantes. Aponto uma que me despertou atenção “Me senti num outro espaço, nunca tinha parado para sentir o meu corpo”. (ERLEIDE, Macaubas, 2008)

 

No final, depois de sistematizadas das fichas de avaliação que eram aplicadas diariamente no momento presencial do Curso e leitura dos relatórios que foram encaminhados pelos alunos identificou-se que dos 38 inscritos mais de 90% concluíram toda a etapa do FORTE I gerando mais de 30 oficinas em cidades do interior atendendo a um público direto (crianças e jovens) de mais de 700 pessoas.

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 ¹Trecho de Relatório final de aluna do Forte I em são Sebastião do Passé

 

2.3 FORTE II

 

O segundo Curso de formação de Oficineiro de Teatro aconteceu de 09 a 12 de agosto de 2009, na cidade de Juazeiro da Bahia, desta vez a escolha se deu como estratégia de estender a Rede àquele território, pois apesar da distância geográfica havia grupos interessados em participarem da Rede. Com recurso do Ponto de Cultura- Um Ponto na Rede, validado pela Secretaria de Cultura do Estado, O FORTE II pode construir um módulo com material didático atendendo a 25 agentes culturais de sete municípios (Jaguarari, Senhor do Bonfim, Juazeiro, Pilão Arcado, Remanso, Sento Sé e Tucano) dos territórios de Piemonte Norte de Itapicuru, Sertão do São Francisco e o Território do Sisal.

 

Nesta edição foi identificado um número menor de participantes e de municípios atendidos, no entanto, isto ocorreu devido a falta de  articulação local no que diz respeito a produção do evento, pois a distancia entre o município de Candeias sede atual da Rede e Juazeiro, onerou o projeto e não houve recurso para uma pré-produção  ficando esta a mercê de grupos locais. Isto também gerou outro perfil de aluno do Forte devido a falta de articulação dos grupos mandarem representantes, algumas Secretarias de Educação ao serem informadas do curso ao invés de viabilizar a participação de agentes de teatro encaminharam professores de outras áreas que atuavam lecionando artes nas escolas do ensino Fundamental. Nesta Edição tivemos então cinco educadores formados em Magistério e/ou em História que muito contribuíram e se surpreenderam com a dinâmica da metodologia do ensino de teatro:

Fiquei surpresa quando encontrei em uma oficina de teatro, uma metodologia diferenciada, preocupada com o conteúdo, a técnica e sempre pautada na troca e descoberta do próprio eu.” (LUZIA, Juazeiro-2009)²

 

3 CONCLUSÃO

 

 O que se ver de relevante em ações como esta da Rede do movimento de teatro Amador da Bahia são as possibilidades de por em prática uma educação não institucional ou não formal respaldada em teóricos como Paulo Freire e Augusto Boal que entendem a Educação como instrumento para equacionar a injustiça social. Entende-se aqui que as iniciativas da sociedade civil organizada vem contemplar uma camada da população que fica excluída do acesso as Universidades e ao saber teórico, às vezes pela escassez de faculdades em todos os territórios de identidade do Estado e as vezes por estas instituições ainda estarem voltadas a uma estrutura acadêmica distante  da verdadeira demanda da comunidade em que se está inserida.

 

A riqueza de conteúdos repassados e discutidos em sala, a troca de experiência e informação entre as pessoas, as contribuições expostas durante o processo, foram aspectos importantes que garantiram a conclusão positiva com o êxito do Curso de Formação de Oficineiros de Teatro: “Depois do início das aulas o FORTE foi se tornando uma grata surpresa para mim, alguns pontos me marcaram bastante como: Preparação dos docentes, relações em rede, parceria Teoria X Prática e Arte-Educação como instrumento transformador” (DANIEL, Campo Formoso, 2009)³

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² Trecho de Relatório final de aluna do Forte II em Juazeiro.

³ Trecho de Relatório final de aluno do Forte II em Juazeiro.

 

 Depoimentos, feitos pelos alunos no final do curso ajudou a Coordenação do FORTE a concluir que existia sim e existe, uma demanda de agentes de teatro que precisam de acesso a informações sobre a metodologia de ensino e principalmente que o oferecimento deste curso e de outros que possam vir possibilitará além da capacitação de agentes de teatro, o fornecimento de instrumentos para fundamentar futuros trabalhos cênicos resultantes de processos de arte educação e de oficinas livres, da formação de platéia para o teatro e, sobretudo, a geração de emprego e renda para esses mesmos agentes de teatro que agora poderão sistematizar seus conhecimentos empíricos numa didática aplicada

 

O fortalecimento do Teatro e a existência de platéia consumidora dos produtos artísticos no interior do Estado fortalecem a Cultura instigando o Empreendedorismo Cultural que conseqüentemente aciona a economia local gerando emprego e renda, diminuindo assim as diferenças sociais e a arte-educação não pode ficar excluída deste processo.

  

 

 

REFERENCIA

 

 

 

BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1975.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 11ªedição, RJ: Paz e Terra,1987

 

IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender Arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003.

 

JAPIASSU, Ricardo Ottoni Vaz ; Jogos teatrais na escola pública- Revista da Faculdade de Educação- 1998.

 RELATÓRIO final de alunos do FORTE Disponível em:<https://www.uac-rmta.com Acesso em: 03 de março. 2010.

 

 

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