ARTE, CULTURA E AUTOCONHECIMENTO PARA MELHOR QUALIDADE DE VIDA
Teoria da metodologia em crítica cultural.
02/01/2012 16:08
Cátia Cristina Santana Garcez*
Os indivíduos se dividem em dois grupos: Os que pensam e os que acham que pensam. No geral é a partir deste enunciado que pretendemos abordar a teoria da metodologia em Crítica Cultural. Para ficar mais confuso do que já deve parecer, solicitamos que o leitor não considere nenhum pensamento que surja na mente que esteja relacionado com sua experiência de vida. Enquanto estiver lendo estas páginas, considere apenas aqueles pensamentos que tiverem relação a teorias consagradas pela academia. Mas se por último, não freqüentou os meios acadêmicos e não teve acesso aos teóricos, então não precisa continuar lendo estas linhas, pois está claro que pertence ao grupo que pensa que pensa. Os que acham, os que emitem opinião sem fundamentos, em outras palavras os produtores de discursos absurdos, tão absurdos quanto o estreitamento das afirmações que acabamos de fazer. Antes, porém, de explicarmos a que nos propomos, se faz necessário descrever nossa trajetória acadêmica até ingressar o mestrado em Crítica Cultural, para assim facilitar ao leitor o entendimento do porque divido a humanidade em apenas dois grupos de forma tão grosseira. Ingressamos na Universidade Federal da Bahia, no curso de licenciatura em Artes Cênicas no ano de 1997. Lá nosso primeiro obstáculo foi convencer professores do curso que não pretendia morar na capital da Bahia. Morar em São Sebastião do Passé, município do Interior do Estado , era situação considerada como empecilho para minha vida acadêmica e profissional. O segundo obstáculo foi fazer os professores entenderem que não pretendia ser atriz mas sim Professora de Teatro. A Escola de Teatro possuía três cursos: Direção, Interpretação e Licenciatura, no entanto os que optavam por licenciatura, na sua maioria migravam para interpretação ou direção, desencadeando uma desvantagem e discriminação no curso de licenciatura. ____________________________________________________________________ *Mestranda em Crítica Cultural - catiagarcez@hotmail.com
O terceiro obstáculo foi conquistar o respeito dos meus colegas e professores pela minha história de vida enquanto membro de um grupo de teatro do interior com mais de 15 anos de existência. Durante todo o curso precisamos brigar para que nossa voz não fosse silenciada. Nem sempre conseguimos dizer o que queríamos dizer. Tanto a respeito da idéia de pensar o Estado da Bahia restringido à cidade de São Salvador, quanto às idéias de que a cultura no interior restringe-se apenas ao folclore ainda respaldado na ilustração francesa do século XVIII onde “considera a cultura popular como resíduo de tradição, misto de superstição e ignorância a ser corrigido pela educação do povo” (Chauí, 2007). O que aprendi na academia no curso de Licenciatura em teatro foram conteúdos programáticos sem a menor relação ou contextualização, em nenhum momento com a história que não fosse a do teatro, ou a antropologia ou a literatura que não fosse referente aos textos dramáticos. O foco era sempre o fazer teatral como construção cênica por si mesmo, sem qualquer compromisso revolucionário ou questionamento sobre cultura, cidadania. Teóricos como Brecht e Boal que abordam o teatro como instrumento político revolucionário era praticamente ignorado no programa do curso de licenciatura em que predominavam as técnicas de interpretação, deixando a Faculdade de Educação as disciplinas de Educação também sem qualquer associação com o teatro. Nos dois últimos semestres, na disciplina de Metodologia do Ensino de Teatro I, a Professora e Doutora designada para ministrar as aulas nunca tinha entrado numa sala de aula do ensino regular para ensinar teatro e nossa experiência prática serviu de orientação para os poucos colegas que persistiram até o final do Curso. Para sanar os déficits deixados pela academia traçamos um percurso de militância em defesa da cultura, do teatro e mais especificamente de grupos teatrais no interior do Estado, às vezes participando das discussões enquanto sociedade civil organizada e às vezes enquanto representação de órgão público. Todo este relato se faz necessário para que o leitor possa compreender que nossa trajetória acadêmica sempre foi distanciada da nossa prática no que diz respeito ao compromisso com a cidadania. Já nesta época questionávamos o termo achismo e neste momento atual, representado pelo primeiro semestre do Mestrado em Crítica Cultural, não são poucos os conflitos que enfrentamos ao nos percebermos em meio a colegas das áreas de Letras e de História, enfrentando leituras de teóricos que nunca tive acesso enquanto texto, mas verdadeiramente não conseguiria afirmar que nunca tivemos acesso a debates sobre tais teorias. Fazer Mestrado em Crítica Cultural, em uma Universidade pública encerra condições muito específicas que nos permite refletir, questionar e duvidar de tudo, inclusive de nós mesmos. Neste texto, que se apresenta como instrumento de avaliação de conclusão de leituras, questiona-se então sobre qual é a relevância de fazermos uma pesquisa dentro do Campo da Crítica Cultural, que seja útil não somente para nós pesquisadores, mas também para a comunidade que existe alheia ao modo de produção acadêmico. Apresentamos questionamentos que já nos inquietavam antes das leituras sugeridas pela disciplina Metodologia da Pesquisa em Crítica Cultural, e que, a partir destas leituras, ratifica o distanciamento que sempre percebi entre o Dentro e o Fora dos meios acadêmicos e principalmente qual é o sentido do discurso acadêmico construído apenas para os seus pares. Retomando aos questionamentos do início do texto, abordemos primeiro o termo “achismo”. Não se deve buscar um conceito epistemológico do termo, mas mesmo assim, aqui se apresenta de fácil entendimento quando o associamos ao ato de achar, mas um achar por si só, sem reflexão ou sem fundamentação do pensamento, como se isso fosse efetivamente possível: a emissão do pensamento com base no nada. Como afirma Bachelard (1996), o primeiro obstáculo epistemológico da ciência a ser superado é o da opinião e como seria tolice de nossa parte fundamentar nossa opinião nos nossos achismos, transformarei todos os nossos conflitos em relação aos textos lidos, em questionamentos, para nos reservarmos o direito de pelo menos continuarmos no Mestrado. Isto nos parece cauteloso e estratégico por várias razões. Primeiro por ter o autor citado, traçado sabiamente os obstáculos epistemológicos para o conhecimento científico, que de certo nos auxilia na desconstrução de conceitos baseados na crença de saberes que dificulta o que deveríamos saber. Segundo, por que todos os obstáculos apresentados por Bachelard (1996) nos oportunizam um melhor entendimento sobre o saber científico. Então, o que sobra, além do saber científico? A opinião, o achismo e os saberes a serem superados. Não é também esta última uma característica do saber científico, a exemplo do Formalismo e outras correntes de crítica literária, que apesar do reconhecimento de suas contribuições estão de fato hoje ultrapassadas? Não estamos aqui discordando que os obstáculos epistemológicos são de fato aspectos que nos impedem do saber científico, apenas chamamos atenção para a existência de outros saberes não-científicos que não devem ser relegados ao achismos. A partir da dualidade das causas e dos efeitos, na análise da lógica do sentido (Deleuze,1998) poderíamos então explicar o discurso tido como “achismo” abordado por Bachelard (1996) como efeito da má educação e da negação do acesso à leitura que os não acadêmicos são submetidos e como causa: “acontecimentos, efeitos e a linguagem ou mesmo a possibilidade de linguagem[...] expressos e exprimíveis [...] a que convém os efeitos de superfícies, aos acontecimentos” (Bachelard,1996)? Partindo do princípio que a designação opere pela associação das próprias palavras com imagens particulares que devem representar o estado de coisas, não seria o achismo apenas uma tentativa de erro e acerto? Mas, no entanto, nunca esvaziamento de fundamentação teórica, escrita ou oral? Entendemos que como designantes do sentido tendem a levar ao verdadeiro ou falso, mas não fatalmente ao falso.
Devíamos reservar o nome de significação a uma terceira dimensão de proposição. Trata-se desta vez da relação da palavra com conceitos universais ou gerais e das ligações sintáticas com implicações de conceitos. (Deleuze, 1969)
Todo o nosso empenho em questionar a utilização pejorativa do termo achismo se deve a possibilidade de uma interpretação, por nós mestrandos, agora enveredando a crítica cultural de que só quem lê Marx compreende o marxismo e lógica da relação do opressor e do oprimido e vice-versa, ou ainda de que só quem lê Derrida pode construir um discurso com sentido, relegando assim o discurso do não acadêmico, a um discurso sem significação ou seja sempre absurdo. Os conceitos e teorias estão impregnados na sociedade através do senso comum, captados por uns e ignorados por outros. O mais importante é se estamos ouvindo a fala dos não acadêmicos, do não erudito; De que forma estamos usando o significado se ele não representa o sentido, mas apenas o conceito? Então, diante destes questionamentos: Pensamos ou pensamos que pensamos? Concluindo estes questionamentos, chamamos atenção de que cabe a cada pesquisador desnudar-se de vaidades intelectuais e de verdades pré-estabelecidas. É fato a necessidade de fundamentação da pesquisa para uma escrita construída a partir do conhecimento sistemático e de teorias anteriores, substituindo o saber fechado e estático por um conhecimento aberto e dinâmico como afirma Bachelard(1996) e por isso mesmo, não se fechar a possibilidades de outros saberes diferentes daqueles dentro da academia. A tendência do pensar acadêmico está sempre ligado ao texto escrito, ou seja, a fundamentação teórica do discurso através da escrita. Não seria uma estratégia de exclusão daqueles que não domina a escrita com o propósito de invalidar estes discursos orais e com base na oralidade? Então nos deparamos com a metodologia da pesquisa-ação a qual oferece várias possibilidades para o entendimento da crítica cultural, na arrumação de conceitos que levem em consideração o mundo real a partir da ação social, e as perspectivas da ciência. Partindo do pressuposto de que só existe o saber no formato acadêmico correríamos o risco de rejeitar o saber dos nossos objetos, pois nesta forma de pesquisa ocorre:
Por meios dos processos de ação, visando resolver questões existenciais, ao mesmo tempo, pessoais e comunitárias, a pesquisa-ação deveria resultar em um aumento de discernimento em cada participante. Não se trata de produzir mais saber, mas de melhor conhecer a realidade do mundo tal qual nós a percebemos nas nossas interações. (Barbier, 2004).
Este distanciamento do pesquisador, agora não mais do objeto, mas sim das estruturas quantitativas e das noções positivistas de racionalidade, possibilita um diálogo entre o popular e o erudito como dois pólos que existem de forma independente e que podem conviver sem a sobreposição de um sobre o outro. Como afirma Barbier: Os sujeitos não são mais ratos de laboratório, mas pessoas que decidiram compreender ou lutar e não aceitar ser privado das análises ligadas às informações transmitidas aos pesquisadores e diretamente saídas de suas tragédias cotidianas. É preciso pensar os vários modos de produção, inclusive do discurso, tanto acadêmico quanto popular, com o olhar da crítica cultural de libertação através da reflexão e com o cuidado para estabelecer diálogo com a cultura de maioria.
As faculdades de letras- formadas de “literatos natos”, segundo a expressão brejeira de Heloísa, e dedicadas tradicionalmente ao estudo da cultura duma minoria, no caso a letrada, que se manifesta e dialoga pelo livro -, são despertadas para a cultura da maioria ( Santiago,1998).
Se o saber científico é tão reflexivo e fundamentado por teorias, numa contínua renovação de saberes, e estamos certos que assim é, que utilidade teria a pesquisa de campo em busca de saberes fundamentados no achismos, visto que o povo, aqui faz parte do grupo que acha que pensa? É só a palavra de ordem que nos impulsiona na falta do conhecimento acadêmico ou a necessidade de sobrevivência? Ou as duas coisas ou nenhuma das duas? Barbier aponta para o risco institucional da pesquisa-ação, alegando não ser esta metodologia o melhor caminho para o sucesso do mundo acadêmico. Isto se dá por estabelecer um reconhecimento de outros saberes? Ou os questionamentos epistemológicos de Barbier e os obstáculos apontados por Bachelard, mostram aqui uma estrutura de saber que pode a qualquer momento se tornar ultrapassados? Como afirma Deleuze (1998): O paradoxo é em primeiro lugar, o que destrói o bom senso como sentido único, mas em seguida; o que destrói o senso comum como designação de identidades fixas. O confronto com as teorias da metodologia da crítica cultural perpassam pelo que se considera hoje como arquivo (Arfuch, 2008) e os saberes se apresentam como fontes inesgotáveis tanto expressas de forma escrita como de forma oral, tanto enquanto arquivos tradicionais que apenas apresentam fatos históricos, quanto arquivos em forma de saberes que apresentam uma história reflexiva de um povo e de uma nação. Diante destas possibilidades de arquivo o resultado das nossas pesquisas também vir a transformarem-se em outros arquivos com abordagens de outros significantes, diminuindo assim obstáculos apresentados pelo aspecto lacunar da auto-biografia e do arquivo mas sempre ligado à interação social e a um sistema indiciário “muito distante de qualquer forma de conhecimento superior, privilégio de poucos eleitos” (Ginzburg,1989). A questão é se nós pesquisadores estamos buscando a revolução para uma melhoria da qualidade de vida ou apenas um lugar entre os poucos privilegiados. A causa de todos estes questionamentos aqui apresentados objetiva o despertar para a possibilidade de vencer os obstáculos epistemológicos e impedir a instalação hierárquica do saber científico em detrimento do saber popular, seduzidos pelo desejo, como alunos do mestrado, de escrevermos textos de “qualidade” dentro das normas acadêmicas da construção do discurso . Como não nos distanciarmos do desejo político inicial de dizer algo mais,(se assim queremos) caindo na tentação de nos atermos às combinações de signos e significantes num discurso fundamentado teoricamente mas repetitivo e sem utilidade para a sociedade? A opção será sempre do pesquisador enquanto acadêmico, comprometido ou não com a sociedade. No entanto, para aqueles que tem anseios revolucionários, fundamentados pelas práticas cotidianas se faz necessário aceitar o convite de Derrida para a subjetividade política e ao mesmo tempo se dispor a desconstruir conceitos impostos pela lógica do fetichismo que substitui o valor de uso pelo valor de troca sinalizada por Lukács (2003) mas sem perder de vista as colocações de Sartre (2002) que condiciona o estudo e conhecimento profundo de teorias como o marxismo para desconstruir conceitos e possibilitar mudanças que não serão totalitárias mas sim no local em que vivemos. Todas estas questões estão aqui inseridas na Crítica Cultural como caminhos teóricos para a metodologia de pesquisa. Assim fica o nosso último questionamento: O que faremos então com todo esse conhecimento teórico?
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBIER, René. A pesquisa-ação. Trad. Lucie Didio. Brasília: Liber livro editora, 2004. CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. Coleção Cultura é o quê – Secretaria de Cultura-Governo do estado da Bahia, 2007 DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. Trad. Luiz Roberto salinas Fontes.São Paulo: Perspectiva,1998. DERRIDÁ. Jacques. Posições. Trad. Thomás Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2001 FOUCAULT. Michel. A ordem do discurso. Trad..Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola,1996. LUCÁKS, Georg.O que é marxismo ortodoxo?,In: Pós-modernismo: a lógica cultural o capitalismo tardio. São Paulo:Ática,2004. SANTIAGO, Silviano. “Democratização no Brasil – 1979-1981 (Culturaversus Arte)” [In: ANTELO et alii. Declínio da Arte e Ascensão da Cultura. Florianópolis: ABRALIC/Letras Contemporâneas, 1998 SARTRE, Jean-Paul. Marxismo e existencialismo, In: Crítica da razão dialética: procedido por questões de método.Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira.Rio de janeiro: DP&A,2002. CHAUI, Marilena. Cultura e Democracia, Coleção Cultura é o que?,Governo da Bahia, 2007
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