O PRESENTE DE ALETEIA
Dia das crianças é um dia muito incômodo para os adultos, mesmo
para aqueles que não têm filhos, pois sempre tem alguma por perto
com aquele olhar de pidão como quem diz: - hoje é meu dia! Cadê meu
presente? Então ficamos desconcertados e a cada ano acumulamos mais
um nome na lista até que eles cresçam e nos deixe, a nós adultos, em
paz. Ufa! O problema, no entanto não acaba aí, temos que nos preocupar
com o orçamento escasso, no gosto dos pestinhas e principalmente na
qualidade dos presentes. Esses três critérios vêem mais para complicar
do que solucionar os problemas. Presente barato, do agrado das crianças
e de qualidade é quase impossível diante de uma mídia que a todo o
momento anuncia as habilidades das Reloquites e Barbes . Mas o que
fazer se esta tradição nos afeiçoou tanto também na infância? E é aqui
que vamos parar um pouco a nossa frustração de não poder presentear
todas as crianças do bairro e falar sobre o presente de Aleteia.
Antes, porém falarei de um tio avó que a menina ganhou antes
mesmo de ter nascido. Seu nome é Wilton Valença, figura já bem prá lá
da terceira idade, com cabelos e barbas brancas e ao contrário do que
esta informação nos remete não se parece em nada com papai Noel, pois
é alto, esbelto e elegante. Um grande e pré-histórico cavalheiro de fazer
inveja aos três Mosqueteiros, pois não senta enquanto tiver uma senhora
ou senhorita em pé, e não mede esforços para beijar as mãos das
mulheres ao cumprimentá-las. Grande ganho para a pequena Aleteia que
desde os quatro anos já recebe rosas em casa, ao mando do distinto tio
avó. Neste dia doze de outubro, o pacote chegou através da tia que veio
da capital homenagear os sobrinhos; desta amiga e irmã, falarei em outra
ocasião. Era uma sacola plástica com revistas para colorir, uma bíblia para
crianças e dois DVDs do sítio do pica-pau amarelo. Certamente Valença
ignorou o primeiro critério e não economizou suas economias, pois livros
ainda são artigos de luxo da nossa sociedade com tão poucos leitores.
Voltemos então ao presente, a pequena Aleteia
estabeleceu uma regra para seus pais, cada dia antes de dormir lerão para
ela uma das centenas histórias da bíblia presenteada por “Vovó Íto”. Já
vencemos Golias, com a ajuda do ainda futuro rei Davi; tentamos avisar a
Sansão das artimanhas de Dalila e nos transtornamos com a submissão
de Ester ao aceitar viver no harém de Xerxes. Por enquanto a ficção da
cinderela e das fadas não mais interessam a menina. No entanto, para
compensar as desgraças e guerras das histórias do velho testamento,
Aleteia passa o turno oposto à escola se deliciando com o imaginário de
Monteiro lobato através da historias da boneca de pano, Emília e das
peraltices do moleque saci . Enquanto a nos, ficamos entre um trabalho e
outro, entre as várias saídas e entradas em casa usurpando os momentos
estéticos de contato com aquela obra de arte adaptadas pela rede Globo.
Foi, então que nos veio a vontade de escrever, ao ver na tela, a danada da
boneca explicando ao Visconde de Sabugosa o que era a vida; “Um pisca-
pista que um dia fecha os olhos e deixa de piscar” e o comentário de
Aleteia falando com os seus botões: “ Gostei! ”.
Essência das coisas
Numa seqüência ininterrupta
de ações, relacionadas à preservação da
espécie, os seres humanos, estão vivendo um
verdadeiro estado de torpor e decadência no
que diz respeito à essência da vida. Homens
e mulheres passam a maior parte do tempo
de suas vidas correndo atras de dinheiro,
estabilidade financeira, conforto, carro
zero, acreditando ser esta a melhor forma
de garantir a felicidade. Não percebem,
que estão abrindo mão de momentos e
experiências que o dinheiro não pode
comprar, pensando que um dia terão tempo
para as coisas simples, a exemplo olhar a lua.
Na maioria das vezes, este tão
esperado tempo para ser feliz nunca chega,
pois as criaturas humanas esquecem o
incontestável movimento da natureza: A
transitoriedade das coisas. É fato que não
somos eternos, e neste momento passo
a me incluir neste discurso. Diante desta
transitoriedade e das incertezas do futuro,
o que nos aguarda na próxima dimensão; se
é que entendemos o que isto significa; nos
impõe uma eterna sensação de adiamento.
Somos como pássaros na gaiola, esperando
que um dia a porta se abra...
Na verdade, de tanto adiarmos
a felicidade, ficamos indiferentes a tudo:
ao toque, ao sol, ao verde, à música, aos
suspiros, aos beijos e abraços fraternais, ao
olhar, ao próximo. Parece piegas, no entanto,
a rotina massacra impiedosamente a nossa
sensibilidade e não enxergamos mais, nem
ao outro, nem a nós mesmos. E qual de nós
viu uma borboleta nos últimos trinta dias?
Ou o sol nascer, ou a lua cheia, ou até o arco-
íres? Estes fenômenos continuam existindo!
Somos nos que não vemos.
CARURU DE FOLHA
Tia Iaiá era uma figura pequena, com rosto e olhos miúdos. Era uma boa
ouvinte, ria fácil e possuía uma dignidade de rainha. Suas roupas eram sempre
impecavelmente bem lavadas e passadas, certamente engomadas para ter aquele
aspectos de ter sido tirada do guarda-roupa, mesmo estando vestida à horas. Assim
ela aparecia lá em casa, acompanhada de Terezinha, prima em terceiro grau, eu creio.
Sempre aos sábados à tarde ou domingo depois da missa.Com bastante freqüência,
no tempo que vovó morou lá em casa, para se recuperar de uma amputação da perna.
Depois com menos freqüência, ela aparecia, nos abraçava com as mãos pequenas e
maltratadas pelo trabalho pesado.
Falava pouco, nunca se queixava, mesmo quando colocou uma fonte de safena... Era
difícil saber se estava triste pois mesmo em momentos de perdas de entes queridos,
quando o nosso olhar de criança encontrava os dela era sempre um sorriso calmo e
sereno que víamos, como se tivesse a convicção da efemeridade da vida.
Vez por outra íamos visitá-la em sua casinha no bairro do Alegre. Residência
simplória com uma porta e duas janelas. Uma das janelas era usada como balcão
para atender aos fregueses, que compravam em sua quitanda. Neste pequeno quarto
se vendia tudo em varejo, do fósforo a cachaça. Lembro que ela insistia para encher
as nossas mãos de amendoim coberto quando sinalizávamos a despedida. Lembrança
gostosa de tia Iaiá!
No entanto, o que mais ficou guardado em nossa memória foi o caruru de folha
que ela oferecia no dia 01 de novembro, dia de todos os Santos. Às dezoito e trinta
saíamos de casa, já combinados de como trapacear quando lá chegássemos: É que o
caruru de quiabo tinha pra todo mundo, mas o caruru de folha era privilégio dos amigos
e parentes, com uma pequena particularidade, o prato que ela servia o caruru era um
prato de doce raso e pequeno, que não saciava o nosso desejo de um ano de espera. Era
proibido repetir e se insistíssemos ela olhava satisfeita e desconversava com o mesmo
sorriso de sempre. Então, a cada ano fazíamos uma trapalhada na hora de devolver o
prato vazio, numa tentativa fracassada de dizer depois, que não tínhamos sido servidas.
Na próxima edição passarei aos estimados leitores a receita do caruru de folha da
saudosa tia Iaiá.
“Agente não quer só comida...”
A lenda que relata o feito da ave fênix que ressurge das cinzas seria poético, se o que
me reporta o pensamento não fosse algo tão visceral quanto a política sebastianense.
Impressiona-me a grande quantidade de munícipes que se apresentam candidatos a cargos
políticos como se fossem múmias recém saídas do sarcófago, fedidas, amarfanhadas em
teias de aranhas e certamente conservadas até hoje pelo formol da ganância e falta de
escrúpulo. A fênix da qual me refiro, são aqueles ditos articuladores políticos e os pseudos
locutores que somem e depois reaparecem em nossa cidade, no período eleitoral para
barganhar algumas moedas que garantam mais alguns anos das suas miseráveis vidas. E
por falar em barganha, é isto que alguns candidatos estão tentando fazer com os artistas e
agentes da cultura. Oferecem de tudo para desarticularem os grupos de dança, de teatro, os
músicos, artistas plásticos, no entanto, é importante ratificar que a cultura não é um gueto
e que não há chefes ou proprietários. Nós sim, somos aves fênix, que durante anos fomos
censurados, perseguidos e condenados ao anonimato pois nesta terra só havia uma mísera
coordenação de eventos que acreditava que cultura se resumia numa micareta. Nem nas
escolas podíamos mostrar a nossa arte: Era proibido!
Hoje o movimento cultural é tão forte que os candidatos a prefeito ficam nos catando
pelas ruas... tem até enfermeiro que ameaçou dar fim na cultura. É incontestável que foi na
atual administração, que surgiram as melhores oportunidades para os artistas da terra. A
Biblioteca que era um depósito de livros rasgados, sem a menor organização possui hoje,
mais de 30 mil exemplares para pesquisa, consulta e empréstimo, assinatura de jornais e
revistas que chegam diariamente para dar acesso à informação atualizada. Foram criados:
Arquivo Público, Memorial de Padre Brito, Casa da Cultura, Anfiteatro em Jacuipe,
valorização de Lindo- amor, samba de roda, reinado, coral infantil, de jovens, coral da
terceira idade. Lançamentos de livros foram quatro: sobre Maracangalha, do Sr Valdevino
Paiva; sobre São Sebastião do passé, de Dona Jardilina; de poesias, dos poetas da terra e o
último, de peças teatrais escritas por mim, ao longo destes vinte anos de teatro aqui nesta
terra.
Contra fatos não há argumento. Como dizem meus alunos ao se depararem com as
dificuldades da vida: “Ta Brabo!” Seria interessante ver estas múmias, sacudirem a poeira
e justificarem o desrespeito com a nossa história quando criaram uma torre nova para a
igreja, quando destruíram a arquitetura da praça 12 de outubro que tinha o formato de um
braço de uma guitarra, quando destruíram a Concha acústica e a fonte luminosa que “tocava
a música conforme a cor da água” e era ligada pelo saudoso Zequinha da Galinha, nas
tardes de domingo. Ta Brabo, fazer o povo esquecer...Múmias, voltem para seus túmulos.
Oportunistas, voltem para suas cavernas... Ninguém mais, calará os artistas desta terra.
Um Gari chamado Jesus
Ao assistirmos o nascimento de um bebe, desejamos
no fundo dos nossos corações que aquele pequenino ser seja
infinitamente feliz. Associando evidentemente, esta felicidade
à ascensão social conquistada através de um bom emprego, de
preferência com cargo de chefia e com um salário bem alto, como
é comum no pensamento ocidental e principalmente na concepção
capitalista, que vincula a felicidade aos bens que possamos
conquistar. Foi em meio a esses pensamentos que Jesus, filho de
família pobre e humilde, pois uma coisa não tem nada a ver com a
outra, nasceu e se criou. Estudou até a sexta série e parou, por que
obviamente precisava ajudar nas despesas de casa.
Com um carro de mão, Jesus desfilava pelas ruas da cidade,
levando compras de senhoras alheias à sua vida e às delas próprias.
Não reclamava, ficava feliz em voltar para casa com os trocados
que lhe garantia o pão de cada dia; e que entenda-se aqui, o pão
de cada dia é uma metáfora filosófica, comparada a alimentação
diária de Jesus. Aos 17 anos Jesus voltou à escola, concluiu o ensino
fundamental e sentiu orgulho de si mesmo. Aos 20 anos Jesus
já havia passado por borracharias, balcões de bares e açougues,
prateleiras de mercados, padarias, carpintarias, tornando-se um
multe profissional de larga experiência no mercado de trabalho.
O motivo que fazia Jesus mudar tanto de emprego, era que
seus empregadores eram sonegadores de impostos, não pagavam
salário mínimo e não assinavam carteira de trabalho, este era um
sonho que Jesus ainda não poderá realizar: trabalhar de carteira
assinada. Então um dia, Jesus conseguiu um emprego de gari, e isso
foi muito bom, pois ele recebia mais que o “mínimo” por causa dos
riscos que corria por trabalhar com o lixo. Ruim mesmo, foi neste
momento Jesus se perceber como gente, ele nunca tinha pensado
nisto antes. Enquanto varria as ruas das cidades e varria com tal
gama de dedicação que chamava a atenção daqueles que passavam,
Jesus pensava em coisa estranhas. Os papeis de bombons, chicletes
e pipocas, representavam as crianças mal orientadas pelos pais e
professores; os papeis, papelões, garrafas e latas representavam a
ignorância dos adultos, que ainda não haviam aprendido a reciclar o
lixo. Para Jesus tudo aquilo era tão estranho: passar horas limpando
uma rua que no dia anterior ele havia limpado com tanto zelo.
olhavam. Jesus começara a achar que a sua presença os incomodava,
afinal, estar ali diariamente, era a prova da falta de educação
daqueles moradores. Enquanto varria, Jesus refletia as mesmas
coisas que os grandes filósofos refletiram. Porque tanta indiferença?
Era a pergunta que Jesus se fazia. Percebera enquanto perseguia
uma prova escolar em folha de ofício que o vento insistia em
brincar, que a vida é bela e que os homens e as mulheres são feios e
feias. Percebera que jogar lixo no chão era uma questão de caráter,
de personalidade; mau caráter, má personalidade. Jesus sabia tudo,
mas não ficou triste, afinal enquanto o papel voava empurrado pelo
vento, pode admirar as luzes natalinas que deixavam a cidade tão
mágica. Talvez esta magia do natal um dia, pudesse transformar os
homens, tornando-os mais solidários e sobre tudo mais
comprometidos com Jesus.
Estranho também era a forma como as pessoas o
MOÇAS, RAPARIGAS E FICANTES
Na última trezena de Santo Antonio, iam sempre as irmãs, meninas –moças
bonitas com fitas que amarravam os cabelos lisos, num penteado repetitivo do período
junino nordestino. Os moços já de olho nos cambitos da mais velha e no assanhamento
da mais nova. As do meio não, já eram raparigas de homem casado. Estas, ninguém
chamava pra dançar, que era mala na certa. Mala, para quem não sabe, era recusar um
convite de uma dança numa festa. A moça que recusava não podia dançar com mais
ninguém se o solícito moço se sentisse ofendido com a recusa do pedido. Rapariga, era
o termo usado para classificar as amantes de homens comprometidos ou as mulheres
que moravam com um homem sem a oficialização de uma cerimônia religiosa ou civil
de casamento. Assim a rapariga quando paria, seu filho era Filho da P. ou bastardo. O
primeiro no popular e o segundo no Civil.
tanta devoção das moças de antigamente. Quem era doida de não querer arranjar um
casamento e ficar pra titia, ou ficar no barricão? Ninguém! E assim mulheres brancas
e negras tinham um único sonho: casar! Mesmo que tivesse que se submeter a dividir
seus maridos com várias raparigas, coisa comum naquela época.
seria novena. Percebi que Santo Antonio continua carregando menino Jesus nos
braços, assim como São João continua com o carneirinho do lado. Notei também
que as trezenas são mais de tradição do que de devoção... será? Ninguém pediu pra
casar! Dizem até que Santo Antonio não é santo casamenteiro. Dizem as línguas que
quem casa é São José. No último dia da trezena, fiquei emocionada com a emoção das
devotas, cantando a música de adeus... adeus António... todas acenando com as mãos
verdadeiramente tristes por estarem encerrando treze dias de oração, de encontro, de
canto e ladainha. Todas cantavam assumindo no próximo ano, continuar os festejos.
Tinha bolo e tinha licor. Mas homem tinha pouco... será que os homens não gostam de
Santo Antonio? Perguntei a um deles, que me respondeu que, se um dia descobrir que o
casamento dele teve o dedo de Santo Antonio, vai deixar o pobre do santo (da imagem )
que sua mulher é devota, um ano de cabeça pra baixo e ainda vai roubar o menino Jesus
pra que o santo sinta o peso da sua ira... ainda bem que consegui convencê-lo que Santo
Antonio não casa ninguém. Mas não sei se consegui livrar a cara de são José.
Hoje as moças, termo que antes significava virgindade e hoje pouca idade,
não sonham com casamento, ou sonham? Com essa história de ficar, que significa
um namoro rápido e sem compromisso, creio ficar difícil casar um ficante com uma
ficante. Na hera do namoro pela internet, será difícil olharem a lua juntos, dá as mãos
enquanto disfarçam para que pareça um gesto casual, roubar um beijo na hora do
intervalo da aula... E tantas pequenas coisas que agente costumava dizer: -isso vai dar
em casamento. Bem, quem perde é Santo Antonio que cada dia mais, tem suas trezenas
acompanhadas pela galera da terceira e quarta idade. Desse jeito, não tem tradição que
resista!
TODO HOMEM É LUCIANO
E no sétimo dia Deus fez o homem...
Tequinha e Luciano foram àquela praia passar o reveillon em casa de um tio...
Tudo teria sido maravilhoso se Luciano não tivesse bebido demais, aliás, como
Tequinha prevera desde o inicio da viagem. Ele humilhou a garota na frente de várias
pessoas e no momento culminante da briga deferiu-lhe um forte tapa no rosto. Bem,
Tequinha acreditou ser o fim do seu longo namoro.
No outro dia, Luciano muito arrependido, pediu uma oportunidade para
conversarem e ela deu...
Saíram em busca de uma praia mais reservada para “lavarem a roupa suja” e
num local que parecia calmo para Tequinha e convenientemente deserto para Luciano,
entraram na água com a intenção de dialogarem enquanto banhavam-se.
Na cabeça de Luciano só havia um pensamento: “Porra, Tequinha agora vai
encher o meu saco” enquanto Tequinha pensava: “Ele pensa que vai me dobrar. Para
mim, acabou!”.
Houve um enorme silêncio, até que ela explodiu:
- Você é um sacana cara. Me bater daquele jeito... Saiba que foi a primeira e a
ultima vez!
- Que é isso Tequinha? Eu te amo cara...
“Cara” era um substantivo misturado com gíria, para ser usado em momentos
difíceis como aquele. Só então, Luciano percebeu que estava prestes a perder sua
namorada de três anos.
- Que é isso Tequinha? Nós vamos casar e seremos felizes...
- Você não vai mudar nunca... Comporta-se como um completo idiota.
Tequinha desabafa, falando alto, gesticulando com o dedo em haste na direção
de Luciano, e ele escutava, aproveitando o tempo para criar sua estratégia de defesa.
- Porra Tequimha, eu já pedi desculpas! Eu quero ficar numa boa cara.
Não adiantou tentar virar o jogo, Tequinha mais irritada ainda, voltou a
sua “ladainha” de motivos de largá-lo para sempre.
- Cresça Luciano, você tem 30 anos e é tão infantil.
Não adiantava, Luciano estava perdendo a paciência. Maldita ressaca e aquela
dor de cabeça não passava.
- Vem cá Tequinha. Eu quero ficar numa boa cara!
- Não me toque! Eu tenho nojo de você.
Até para Tequinha, isso soou como uma cena de novela mexicana. Luciano
resolveu usar uma nova técnica e forçou um beijo daqueles dignos de um verdadeiro
dramalhão.
- Me larga cara...
Luciano não suportava mais. Pensou em agarrá-la a força e transar com ela
ali mesmo, mas ao olhar em volta, percebeu que a praia já não estava vazia. Algumas
mulheres e crianças banhavam-se ali perto.
- Fala baixo Tequinha.
- Ontem você não estava preocupado que as outras pessoas escutassem.
Era evidente que as pessoas estavam ouvindo.
- Eu vou embora... Para mim acabou, cara!
- Espera ai Tequinha...
Luciano sai andando desanimado, cabisbaixo, seguindo os passos de sua
amada... Na areia, segura a namorado pelo braço, olha na direção do mar e como ele
imaginava, o público esperava ansioso pelo desfecho da sua história. Agarrou Tequinha
com força apertando-a contra o próprio corpo e disse em voz alta, não para Tequinha,
mas para platéia que parecia não perder nenhum detalhe:
- Você vai parar com isso tá? Quando chegar na casa do meu tio, a gente vai
ficar numa boa entendeu? Ou então você vai se ver comigo.
E sai arrastando-a pelo braço sem perceber as lágrimas que desciam a face da
namorada, mas antes de sair do campo de visão daquelas pessoas, Luciano ainda ouviu
os gritos:
- Larga ele Tequinha, larga ele!
Tequinha não ouviu, estava envolvida demais em seu sofrimento. Enquanto
Luciano, sem olhar para trás ignorou a opinião popular, com a certeza de que Tequinha
lhe pertencia.
Rezadeiras I
Durante toda a minha vida fui atormentada por problemas místicos e
incompreensíveis para algumas pessoas e completamente explicáveis para outras.
Lembro-me de crises que me deixavam acamada. Diagnóstico: Espinhela caída! E lá eu
me debandava a procura de Dona Brasília, uma senhora alta e forte que morava numa
casa humilde , no bairro do São Roque, perto do finado Chico do Porco, que na época
não era finado.
Eu chegava e ela mandava eu sentar, conversávamos como se ela não soubesse
porque eu estava ali. Depois de alguns minutos, ela dizia:
- É a espinhela né minha fia? É danada... quando ataca!
Então ela colocava as minhas mãos com as palmas voltadas para cima e
media o meu polegar em relação ao meu indicador, balançava a cabeça dando muxoxos,
demonstrando solidariedade à minha situação e começava a rezar a região do meu tórax.
Ficava atenta as palavras emitidas, mas os sussurros me deixavam numa sonolência
deliciosa que quando acabava eu torcia para que ela mandasse eu voltar mais duas
vezes. Quando a espinhela estava muito aberta, só fechava se rezasse três vezes e ficasse
de resguardo. O resguardo também eram três dias. Não podia abrir nada: nem porta,
nem janela ,nem gaveta, nem armário. Fechar podia! Também não podia colocar as
mãos acima da cabeça. Pentear cabelo nem pensar. Eu adorava o resguardo, pois desde
pequena já possuía infinitas tarefas domésticas que eram dispensadas nestes períodos.
Dona Brasília, apesar de ser alta e forte era uma criatura de um semblante
sereno, que transmitia confiança e muito cuidado para com quem a procurava. Com uns
dez anos de idade eu ia a sua casa para rezar de olhado:
- Dona Brasília, mainha me mandou vim aqui pra senhora me rezar de olhado!
E lá vinha ela com ar compreensivo, abandonando a bacia de roupa para me
atender. A reza de olhado tinha um som de chuva que também me fazia ficar sonolenta
e entre um bocejo e uma frase de oração, ela me despertava tentando colocar a conversa
em dia - Em minha fia? Como vai Rosa? Nunca mais vi Rosa! E seu pai, como vai? E
eu ia respondendo também bocejando, sentindo o cheiro às vezes da “corana” e às vezes
da vassourinha, que era jogada fora depois da reza, acompanhada de uma “cusparada”
que me deixava impressionada.
Depois de alguns anos aprendi a medir a espinhela com um cordão: Pega a
ponta do cordão e coloca na ponta do dedo mindinho e leva até a ponta do cotovelo,
depois dobra o comprimento do cordão, pega essa medida e circula o tórax. Se o
comprimento do cordão der para encostar uma ponta na outra na frente do tórax, está
tudo bem, se ficar afastado uma ponta da outra sem fechar a circunferência do tórax, aí
então a coisa ta feia. Acredite se quiser!
Rezadeiras II
É assim... Agente não acredita, mas quando a dor vem, aí é um Deus nos
Ela morava na rua do saboroso, aquele restaurante de João Bereta, já falecido
e de Dona Nalva, que está bem viva graças a Deus, com um restaurante agora na rua do
João Paim. Ela era Dona Lili, mãe do professor de francês Apolinário. Este morreu tem
pouco tempo aquela ainda vive... Magrinha, simpática e muito séria, não dava ousadia à
criança. Por isso só procurava ela pra coisa muito séria.
Olhado, espinhela, procurava Dona Brasília que era boa praça,mas Dona lili
era severa. Não era todo mundo que rezava e apesar de não cobrar pela reza, você tinha
que ter uma boa “peixada”, para conseguir as preces da danada. Sua especialidade
era curar “a vermelha”, nome dado a erizipele, termo que por sinal era proibido de se
pronunciar na frente dela
.
Tinha lá meus 11 anos e sem mais nem menos, o tornozelo avermelhou como
um tomate maduro, a coceira de enlouquecer, me obrigava a dengar a ponto de mainha
mandar buscar Dona Lili. A oração eu não me lembro. Lembro sim dela me olhando
com piedade nos olhos, como se eu estivesse à beira da morte... Veio em casa uma três
vezes pra rezar e depois, mais umas três pra visitar. Ficou minha amiga.
A sensação de um formigueiro com todas as formigas picando
simultaneamente minha perna, descreve bem o sintoma da doença, que foi aliviada pela
oração e pelo azeite de oliva Galo (só servia dessa marca) que Dona Lili aplicava no
lugar com uma pena de galinha, pois qualquer outro instrumento usado, poderia ferir a
pele sensível . Quando estava recuperada, a boa senhora me aconselhou a arranjar um
cágado. Tartaruga não! Cagado de presente ...comprado não. Então meu vô Abelardo,
marido de vô Chiquinha; aqueles que moravam na frente de Dona Nana e seu Flávio, no
São Roque, Sabe? Deu-me de presente um lindo e pequeno cágado, para que nunca mais
a doença voltasse!
ESCOLA DA VIDA
Era com alegria que esperávamos as quartas-feiras, dia da reunião do grupo
JURS- Juventude Unida São Roque. Todos nós, jovens católicos que acreditavam no poder da
articulação e cooperação entre pessoas como instrumento de transformação social. O Grupo
tinha como objetivo a catequese de crianças e o suporte para leituras e cantos nas missas dos
Jovens, de sábado á noite, realizadas sempre na Capela do São Roque. Capela linda, que se
perdeu devido a indiferença e vaidade de párocos que por aqui passaram, que a revelia da
história, cultura e tradição, modificaram as estrutura físicas da nossa capela. Na época do
JUSR, nosso guia espiritual era o saudoso Padre Brito. Com ele os problemas eram outros,
rigoroso e conservador, ficava vermelho cada vez que o surpreendíamos com uma música
profana ensaiada em segredo para que não houvesse tempo de sua censura. Depois da missa
era certo o “pito”, que nos deixava indignados, mas com a sensação de ter vencido uma luta
contra a forma enfadonha como as missas se apresentavam para a juventude da década de 80.
Nas missas comemorativas incluíamos o chocalho tocado por Nel Bufinha ,também saudoso, o
timbal tocado por Negão Garcez e Tinteiro e o pandeiro tocado por Cláudio Beleza. As
coristas eram as irmãs Ferreira: Jane, Jacilda, Fátima e Gagau; todas filhas de Dona Dedê,
Márcia de Trindade, para diferenciar de Márcia de Frederico, Jucinalva de Seu Dau, Riza de seu
Deda e Conceição, irmã de Dinheiro. As vozes masculinas ficavam por conta de Caetano
Barbosa, Cassiano, outros tantos que a memória não registrou e os próprios instrumentistas
que colaboravam com muita boa vontade. Os ensaios eram uma derrota, pois tínhamos o ego
muito elevado e nos sentíamos cantores profissionais, apesar de termos que muito ensaiar, as
vezes durante toda a semana, para não fazer feio. Os fieis gostavam e até aplaudiam para o
desespero de Padre Brito.
Era nessa época que Dona Leonor ,mulher de seu Júlio Brabo, ele brabo como
o nome diz e ela, figura doce feito mel, pacientemente, cuidava da capela do São Roque.
Enquanto ensaiávamos assistíamos o seu desfile entre os jarros de flores, trocando os panos
brancos, lavados e engomados por ela mesma.As vezes um sorriso discreto mostrava que
estava atenta as nossas peraltices.
Nas reuniões de quarta, as pautas decorriam sobre temas como sexualidade,
doenças sexualmente transmissíveis, aborto, casamento, divórcio, amor, fé e tudo que nos
afligia. Eram debates fervorosos, onde os mais imaturos terminavam levando pro pessoal e
então tínhamos que apelar pra Jacilda... Santa Jacilda, que pacientemente e com aquele jeito
de panos quentes, promovia sempre a paz desejada. Foi ali que aprendemos sobre direitos
e deveres. Foi através dessa convivência que aprendemos a ouvir, respeitar as diferenças,
amar o próximo ou pelo menos tentar cada vez mais amar ao próximo como a nós mesmos...
Continuamos tentando. Hoje, quem ainda está por aqui, nem todos tão católicos, mas
certamente com princípios básicos que fazem a diferença por onde quer que andemos. Quem
dera que nossos filhos tivessem as mesmas oportunidades de participar de grupos como O
JUSR! Fica o registro.
MACHISMO NÃO TEM IDADE
Eram quatro jovens do sexo masculino, entre 19 e 21 anos; dois nos bancos
à frente e dois nos bancos logo atrás de mim no coletivo. As duplas não se conheciam e a
minha cadeira era a única divisória física existente entre os dois mundos daqueles jovens. Os
da frente, com as mãos ocupadas por dois latões de cerveja, os de trás com livros e módulos
estudantis. Para não confundir o digníssimo leitor , d’agora por diante, os chamarei de Zè e
Mané, aos da frente e João e Tonho aos de trás. Com uma voz lenta devido ao consumo de
álcool, Zé falava todo o tempo: - Qual é veio? To certo ? Mandei o cara se f... não como
regue...Ele tirou onda comigo...Deu vontade de dá um soquete nele... E ainda vou dá! to nem
aí...Mandou fazer a massa, eu fiz... bater o concreto, eu bati, quer mais o que? Não vou deixar
ninguém me pisar veio... Você sabe que foi minha nega, que me arrumou o trampo ... Ela
pensa que vai me governar... Tá por fora veio. Mulher não manda em mim. Quer que eu vá pra
casa pra olhar minha filha... Prá ela estudar... Só vou quando eu quero... Ta ligado? (toque de
telefone) Quer ver? É ela! Saca só! (atende o telefone) – Aló! O que é rapaz? Não deu pra te
ligar... Tô no trabalho... (cutuca Mané que balança a cabeça estimulando) Sei lá que horas eu
vou sair nega. O patrão me segurou aqui.(simula tristeza na voz) Tô retado mas, fazer o que?
Deixa ele aí ... Que tem ele ficar só? Tem que aprender a se virar cedo veio. Três anos já ta na
idade! Né não?(buscando aprovação de Mané que confirma com a cabeça)Ta... ta... Não sei
que hora eu chego... Vá pra sua escola p... to te impedindo? Tchau! (desliga o telefone) Viu aí
velho... Ela quer me governar. Só porque arrumou aquela bosta de emprego acha que manda
em mim e o tio dela também, por isso que eu mandei ele se f...
As palavras de Zé e Mané, vinham se misturavam com a história da outra dupla de jovens.
João falava tentando dar conselho ao amigo: - Tá todo mundo em sua casa dizendo que você
ta diferente! O amigo se irrita: - Isso é onda de minha mãe! Ela falou pra você não foi? A coroa
é fogo, lembra quando a gente foi pra ilha? Ela dá Show, chora e depois fica tudo na boa.
Eu to trabalhando, ganhando meu dinheiro e ... Agente muda né? Fala aí como é que ta seu
João se ajeita na cadeira e imediatamente pude sentir a pressão dos joelhos projetados no
encosto da minha cadeira. Devia ter pernas enormes aquele rapaz, pois não conseguia ficar
quieto- Na boa velho! E você? Já se recuperou?
Numa boa...(diz Tonho) meu gosto velho é que ela ainda é doida por mim... é verdade! Quem
me disse foi a colega dela... É deve gostar mesmo porque o que eu disse a ela quando soube
do chifre velho... Era pra ela nunca mais olhar na minha cara.. Minha vingança é essa... ela é
louca por mim e já mandei dizer: Esquece ( fala soletrando) Também não é pra menos . Você
sabe que foi eu que tirei a virgindade dela...
Neste momento João fica irritado: - Você não disse que não tinha sido você quando terminou
com ela? Você disse sim ! Tonho se concerta na cadeira:- Pois é velho, naquela época eu fiquei
confuso... Não sei se ela tem hímem elástico, por que ela não sangrou... Sabe como é né?
Mas depois eu pensei direito... Fui eu sim... Por isso ela ficou ligada em mim... Eu sei que me
traiu, mas sei lá... Já partir pra outra... Agora to com uma mina... Gente boa, já seis meses.
Comemorou aniversário e a zorra. Eu anotei né? É barril não lembrar! Não dei presente...
Dei um beijo e disse que amava... Mulher dá o maior ponto pra isso... Se não diz, fica logo
desconfiada. Então eu digo logo... Você diz?
A HISTÓRIA DO VAGA LUME
Um dia um vaga lume por uma floresta para passear. Assim. Sem mais nem
menos, porque os vagas-lumes, não precisam de um motivo específico para buscar
diversão... Como nós por exemplo, que levamos as crianças para passear no dia dos seus
aniversários ou no dia das crianças. Não. Os vagas-lumes não são tão óbvios.
Bem... Neste passeio noturno; tinha que ser à noite ou não faria jus a escolha
de um bicho que tem luz própria; Então o vaga-lume encontrou por um acaso; se é que
acasos existam; uma libélula e ficaram horas a conversar. Se bem que a hora dos insetos
não deve ter a mesma duração que a nossa... Inseto vive menos, portanto as horas
representam séculos para eles. E não adianta me pedir uma fonte de referência, pois não
a tenho. De qualquer forma a Libélula se apaixonou perdidamente pelo vaga lume . É
claro que o leitor deve estar pensando nesta mistura de seres de espécies diferentes e na
procriação de suas proles... mas a pergunta que vós faço é: quem disse que a libélula
era fêmea e o vaga lume era macho. Pois, plagiando Cecília Meireles, não era nem isso
nem aquilo. O fato é que se apaixonaram e comunicaram ao padre, ou pastor, ou juiz, ou
qualquer autoridade que se achasse no direito de unir ou desunir pessoas ou insetos.
Na igreja, na toca, no fórum ou na gruta eles se encontraram para a cerimônia
em frente a toda a bicharada, mas gostaria de afirmar que, nenhum homem ou mulher
fora convidado, devido a mania bestial que a espécie tem de matar os insetos. Os
gafanhotos falavam baixinho curiosos sobre o gênero do vaga lume, enquanto os
besouros apostavam que a libélula morreria de tristeza ao perceber a loucura que ia
fazer. Um besouro machão ainda tentou persuadi-la a desistir do casamento e fugir com
ele a mercê do sofrimento do frágil vaga lume.
Várias iniciativas houveram pra impedir o ato .. todas homofóbicas e perversas
alheias ao sentimento do vaga lume e da libélula que suspiravam transcendendo as
possibilidades do amor celeste. E para felicidade dos noivos ou noivas... O sacerdote do
ofício não conseguiu identificar o gênero que os definia. Então casaram os bichinhos
numa cerimônia simples sem muitos galanteios e eles ou elas foram felizes por muitos
anos de tempo de insetos. Não tiveram filhos, mas para que? Se já tem tanto inseto no mundo!
A história do Papa-Figo
Parece que é sempre no inverno que acontecem as coisas mais sinistras... devia
ter uns oito anos, e isso faz muito tempo... Minha mãe descrevia o papa-figo de um
jeito tão extravagante e recheado de mímicas que o meu coração parecia querer sair
pela boca de tanto medo. O nome, era fácil de entender, se no lugar de figo colocarmos
fígado. Pois é! Um homem que raptava as pessoas e comia o seu fígado, pelo menos ,
era a dedução que os adultos da época, pois segundo eles os corpos eram encontrados
depois intactos se não fosse a falta do órgão principal do sistema digestivo.
Assim eu passava noites acordadas imaginando o que fazer se um dia , no
caminho de casa pra escola ou vice-versa eu encontrasse aquele monstro... Só podia
ser monstro: todo vestido de preto e com unhas enormes sujas de terra. Nesta parte da
descrição, eu logo imaginava que a terra nas unhas da criatura devia ser conseguida
nas lutas travadas com as vítimas no momento de abrir-lhes a barriga para arrancar o
fígado. O cabelo longo, se fosse hoje certamente seria um mega hee, Barbas e bigodes
fartos que se misturavam e desciam até o estômago, descalço e não sei porque a imagem
do pé do papa-figo foi o que mais ficou gravada. Pés grandes, mas proporcionais ao
corpo com os dedos longos como se fossem das mãos. O detalhe macabro da minha
imaginação era que o dedão do pé era no formato de um círculo achatado, com a unha
encardida de sujeira, num preto que contrastava com a cor da pele amarelada do bicho.
Não foi fácil atravessar a infância com essa ameaça constante de ter o meu
fígado arrancado à unha. Andei algum tempo com molho de pimenta dentro de um
frasco de desodorante reservado dentro da pasta escolar, naquele tempo não existia
mochila e se existia para mim era igual a caviar.
Era incrível como cada época era marcada por um mito fantástico. Não sei se
conseqüência de notícias que se sabia de violência, seqüestros... Era senso comum...
todos falavam a mesma coisa... em algum lugar ,alguém sempre soubera da presença do
Papa-figo e isso era dito, como um discurso de prevenção contra bandidos e marginais,
que muito provavelmente estariam distantes da nossa cidade,naquela época.
Lembro-me do sermão de minha mãe, ao sair para a escola, avisando com
veemência para não conversar com estranhos, segundo ela o papa-figo atraia as crianças
com balas e doces , agarrando-as e prendendo-as num saco de alinhagem. Na escola a
professora também fazia milhões de recomendações: - “Vão direto pra casa, se algum
carro preto se aproximar corram e gritem socorro”.O coração dava pulos até a garganta
e eu era obrigada a engoli-lo novamente, enquanto arrumava a pasta nas pressas e em
meios a oração do Santo Anjo do Senhor que rezava durante o percurso ate chegar em
casa. Oração forte! O papa-figo, nunca me pegou.
A Mulher que morreu de vergonha
Relatarei para os amigos leitores desta coluna, uma história contada pelo meu avô Pedro Ângelo,
pessoa de grande sabedoria, falecido a mais de 30 anos atrás. A escolha desta história, dentre tantas outras,
se dá, como conseqüência dos meus questionamentos sobre como comemoramos o dia da mulher e como
entendemos seu papel na Sociedade. Começaremos então, como toda boa história deve começar: Era uma
vez uma mulher muito bonita e muito, mas, muito inteligente. Observe caro leitor, que o reforço aqui é
indício ainda de uma sociedade machista que considera a mulher um objeto sexual... Um dia, esta mulher se
apaixonou e realizou seu grande sonho de se casar com o homem de sua vida.
Neste momento gostaria de informar, que qualquer relação da vida real com esta história é mera
coincidência mesmo que encontre fatos que se assemelhe com a vida da sua vizinha. A mulher passou então,
a cuidar da sua nova casa e a ajudar o marido no cultivo de hortaliças e legumes. Teve o seu primeiro filho, o
segundo filho, o terceiro filho. Não que ela verdadeiramente os tenha planejado, apenas deixava-os vir. Um
dia, aquela linda mulher, diante de uma, entre as milhares de crises existenciais e de auto-afirmação, passou
a se questionar sobre o amor de seu marido e perguntou: - Você me ama! – Ele a olhou, deu-lhe um beijo na
testa, daqueles que encerra a conversa e virou-se na cama para dormir. Daquele dia em diante, a linda mulher
passou a murchar como uma flor que seca no jardim. Resolveu executar um plano, chamou sua comadre,
amiga e vizinha e decidiu que ia morrer. De fingimento claro, para saber qual a reação do seu marido ao
encontrá-la morta. Saberia verdadeiramente a intensidade do seu amor por ela. Assim o fez, com o apoio da
comadre.
Não posso deixar de interromper a narração, lembrando às leitoras que esta experiência é de grande
risco para as mulheres e aos maridos que nem todas as mulheres fingem morrer, algumas morrem mesmo.
Então, no dia marcado, a linda e inteligente mulher, deitou-se na cama, colocou-se em posição de morta e
avisada pela comadre, da chegada do marido prendeu a respiração. A sorte fora lançada! O marido entrou e
diante das lágrimas stanislaviskiana da comadre, foi até o quarto constatar o fato. Olhou para o corpo inerte
da linda mulher e pensou no quanto ela ainda era bonita, nos seus filhos e percebeu uma sensação de vazio
dentro de si. Era fome! Já passava do meio da tarde e ele ainda não havia almoçado. Virou-se e informou a
comadre enquanto saia em direção a cozinha: - Vou tomar banho, comer alguma coisa e de pois preparar o
enterro.
É fácil imaginar o tumulto dentro do quarto depois da saída do marido. A vizinha correndo ao
encontro da linda e inteligente mulher pedindo que desfizesse aquela loucura e ela coitada, em lágrimas
dizendo baixinho: - Ele não me ama...
O fato é que antes que a mulher pesasse em se explicar ao marido, toda a vizinhança como por
transmissão de pensamento, ficou sabendo de sua suposta morte. Invadiram sua casa, prepararam o café
com biscoito para a noite do velório, ajudaram seu amado marido a colocá-la no caixão e a enterraram no
dia seguinte, alheios aos gritos da comadre que a todo o momento tentava impedir a decida do corpo ainda
vivo ao seu leito final. Dizia meu avó, que esta história aconteceu verdadeiramente e que era conhecida sob
o título de: A mulher que morreu de vergonha. - Vergonha de que vovó? Perguntava eu aos meus 9 anos de
idade e ele me respondia:- Da vida menina... Vergonha da vida! Ás mulheres e homens de hoje fica o lembrete
de que mais vale viver de verdade do que morrer de vergonha.
Diabo x Santo Antonio
Contarei uma estória e gostaria que aqueles que acreditarem na minha narração não
ficassem curiosos querendo que eu diga o nome da criatura que relatarei os fatos. Para evitar a
identificação do dito cujo vamos chamá-lo de Lalando.
Era uma vez um menino chamado Lalando que acreditava na sorte. Acreditava também
nos poderes de Deus como nos poderes do excomungado. Seus pais moravam em São Sebastião
do Passé, desde que a cidade ainda era Vila. Devotos de Santo Antonio se incumbiam todo ano
de realizar a trezena, mas o danado do menino, não queria saber de contrato com nenhum santo,
caso aparecesse uma oferta boa pra ele, queria está livre pra negociar. Cresceu meio arredio, cheio
de peraltices que deixava sua mãe com dívidas eternas de padres nossos e ave-marias e um lucro
considerável para o dono do armazém na compra das velas que eram acesas na hora das penitencias
que fazia para que os santos intercedessem pela educação do filho, não pela falta de inteligência,
mas pela falta de caráter. Na escola era notável. Destacava-se nas atividades da sala de aula e nos
esportes, no entanto os sapos que distribuía nas pastas das meninas eram motivos suficientes para a
professora sapecar os bolos com a palmatória de seis centímetros de espessura.
Na adolescência era o preferido das meninas, pois se tornara um rapaz bonito. E nos
tempos das brilhantinas que engomava os cabelos, uma mexa era sempre deixada propositalmente
caída na testa. Ele sabia que as meninas não resistiam ao seu charme. Muitos quartos de moças
foram visitados sem que os pais soubessem até o dia que o dito cujo foi pego com a boca na botija e
teve que casar. Casou-se, a contra gosto, mas como o casamento não prendia homem, nem a mulher
conseguiria se o quisesse... Continuou então a pular a cerca...
No dia 01 de junho, cansado de tanta luta para sustentar três mulheres cada uma com 3
filhos, injuriou-se e declarou: To preparado pra fazer acordo com Deus ou com o Diabo... Quem
aparecer primeiro com a melhor proposta...
No centro da cidade havia um mercado que hoje está predestinado a extinção e que na
época fazia grande sucesso principalmente com os bares de pessoas renomadas. Eram pontos de
bate papo e de jogo que só encerrava depois das dez da noite. Lalando ficava depois que todos iam
embora a circular o mercado chamando a “coisa ruim” pra um acordo, já que segundo ele, Deus
não tinha aparecido com nenhuma oferta. Um dia, lá pelas tantas, contam os de boa memória que
Seu fulano ouviu uma voz dizendo pra ele:- Você quer ficar rico? O homem se borrando de medo
correu desesperado e ficou rodando a Praça Doze de outubro tentando decidir com qual mulher ia
dormir. Dois dias depois ele voltou ao mercado dessa vez preparado para receber o mal-assombrado
e acertar os detalhes do acordo.
Bem, daí deste ponto existe duas versões contadas pelo povo. A primeira versão conta que
foi o pessoal dali mesmo do mercado que sabia do desejo dele de falar dom o Diabo que prepararam
a farsa, o que Lalando descobriu mais tarde.
A segunda versão, diz o seguinte: O diabo apareceu no mercado municipal à meia noite
em ponto e fechou contrato com o Lalando. Daquele dia em diante ele ficaria rico como num passe
de mágica, e em troca teria que deixar as duas mulheres, ser fiel a esposa ( o maior sacrifício) e
criaria um sapo em seu jardim. Lalando aceitou a proposta, passou a ser fiel á esposa e preparou
um jardim para abrigar o sapo. Nas sextas-feiras de lua cheia o sapo saia de trás das moitas para se
alimentar. Era quando Lalando chegava com 30 quilos de carne para alimentar o bicho que já estava
do tamanho de um urso, diz as mentes mais criativas. Com a morte de Lalando o sapo desapareceu
conta meu informante, mas há gente que afirma que se alguém procurar,encontrará o bicho enorme
escondido a espera da próxima sexta de lua cheia.
O certo é que o tal homem ficou mesmo rico da noite pro dia, tinha um jardim frente
de casa e odiava quando alguém insinuava sobre a existência do sapo no seu jardim. A mulher
dele fingia que não sabia de nada, mas no fundo desconfiava que aquilo tudo fosse obra de Santo
Antonio que para atender o seu pedido de ter um marido fiel se passara pelo Diabo. A riqueza se
sucedeu depois que o homem deixou de vadiar e passou a se concentrar no trabalho e o sapo era
uma brincadeira dela para punir Lalando pelas traições que sofrera. Eu hem! Mulher e Santo tem é arte!
Dona Nonô
Dona Nonô é uma daquelas pessoas que ao re-encontrarmos, imediatamente
ativa nossa memória, e nos faz recordar de fatos que nos parecia impossível de
lembrar. Tem mais de setenta anos, mãe de sete filhos e esposa do saudoso Julio Brabo.
Moradores do bairro do São Roque desde que eu me entendo como gente, dona Nonô,
para que os leitores tenham uma idéia nunca sentou em um banco da pracinha em frente
a sua casa: - Nunca! – Afirma a criatura mostrando orgulho, e justificando que não
tem tempo pra essas coisas. Inclusive declarou num passado distante que quem a visse
sentada na praça poderia apedrejá-la. Por isso não senta.
A citada senhora, sempre ocupou seu tempo cuidando da família e afirma que
foi graças a Júlio, seu marido, que os filhos hoje são quem são. “Bem criados! Porque
Júlio era firme e dizia as professoras dos meninos, se tiver qualquer coisa, mande um
bilhete...olhe... você sabe? Teve uma vez que Tonho (referindo-se ao filho Tonho da
Cesta)chegou em casa e disse que a sala ia tomar suspensão...eu acho que era isso, uma
coisa lá que a diretora ia fazer pra castigar eles... sabe? A professora abriu uma gaveta e
tinha uma cobra... coisa de menino... de Tonho não! Ele sempre foi quieto!Júlio chegou
do trabalho... eu falei... Ele foi atrás de Padre Brito, que era diretor sabe? E Dona
flor...POIS Padre Brito disse logo: Se todos os pais fizesse como o Júlio. Falou isso por
que não teve nenhum pai lá... só Júlio... E Tonho não teve o negocio na caderneta... a
suspensão num sabe?”
Conta ainda que teve filho de dois. Que nunca na vida pensara nisso, pois
acreditava que só acontecia com quem já tinha algum caso na família. E que foi muito
enjôo que teve na barriga dos gêmeos. Isso se deu, justifica Dona Nonô, por que
Julio, encontrou uma imagem de Cosme e Damião, na roça e levou pra sua venda e
colocou lá, bem visível. “ Foi assim, depois que ele achou a imagem eu tive um sonho
e contei. Estava eu e outras pessoas no sonho e Cosme e Damião, fazendo assim pra
mim... Me jurando com a mão, mas eu não imaginava que ia ter dois. A gravidez foi
difícil e a menina foi tirada a ferro, o outro nasceu vivo e um pouquinho depois morreu
na maternidade. Botei o nome de Raimunda, na menina, em agradecimento a São
Raimundo, pois foi quem eu rezei pedindo... São Raimundo era parteiro sabe?”
Lembrei-me do caruru que ela dava e só parou quando a filha Mundinha fez
cinqüenta anos... O que foi uma grande perda para todo o bairro do São Roque, pois
era acontecimento sócio cultura que ninguém queria perder. Eu mesma não perdia um
caruru de São Cosme.
EU ESTAVA LÁ
Eu devia ter lá meus dez anos de idade e o mundo me parecia um enorme parque
de diversões. Era período de férias e o São Roque era invadido pelos pequenos donos do
mundo: Marilson de Marilene, Roberval de Deda, Otávio de Hilda, Welligton de Mira,
Orlandinho de Orlando Luz, Véio de Éster Correia, Beto de Albino, Elton de Edilho,
Bebeu, Paulinho, netos de Benzinha, Véio de Seu Tomás, Juca de seu Lourenço, Jorge de
Dete, Rivaldo neto de Malu e Dó meu irmão. Havia outros que agora a memória não me
permite relacionar. Eram poucas as meninas que se habilitavam a ficar mo meio desta luta
de poder. Às vezes eu e Teresa (Cari) de Judite tentávamos desarticular o clube do bolinha,
no entanto o cerco era muito forte e voltávamos ao território feminino. Todos aqueles
meninos eram encapetados, levados da breca. Causavam zangas e fuxico entre as mães que,
tentavam inocentemente descobrir no filho da outra a representação do capeta. Barra, bate-
lata, picula, baleou meinho, eram as competições que estimulavam os gritos da torcida
e por fim o quebra-pau que rolava depois de cada brincadeira. Nas férias, era permitido
dormir tarde e ficávamos na praça, vigiados pelas mães que se debruçavam nas janelas de
suas casas ou repoiavam-se nos passeios em pequenos grupos onde colocavam a conversa
Num dia de quarta-feira, por volta das oito horas da manhã, fui jogar o lixo
naqueles depósitos horrorosos que eram colocados pela prefeitura nos centros de cada
bairro. Seguida por meu cachorrinho pé-duro eu brincava com o balde de lixo e no meio
da pracinha percebi um silêncio que não era comum no meu bairro. Roberval, Geane de
Dona Dedê e outras crianças estavam no barranco da casa de Mituca-boca de barulho e
faziam sinal para mim, apontando uma mulher que caminhava em minha direção. Olhei em
volta e à distância, nada de anormal notei naquela mulher loira de vestido floral , cabelo
longos e pés descalços. Tornei a olhar em volta e percebi que os adultos colocavam as
crianças apressadamente para dentro das casas e trancavam as portas. Em poucos minutos
o São Roque estava praticamente deserto com exceção de mim e da mulher loira que se
aproximava. Quando a mulher se aproximou, numa distância de dois metros e estendeu a
mão na minha direção, ouvi um estridente grito de alguém que tentava me alertar : Corre!
Com o coração disparado e sem perceber quem gritara encarei a mulher. No lugar
dos seus olhos havia dois buracos e das laterais de sua boca saíam duas enormes presas
pontiagudas. A pele do seu rosto era pálida como de um cadáver e com a boca entreaberta
senti que ela iria me devorar. Desta vez fui eu que gritei aterrorizada. Numa rapidez
sobre-humana apanhei o filhote que estava encolhido de medo e corri para casa, chorando
desesperada. Levei em torno de meia hora para me acalmar e relatar os fatos à minha mãe
que ao sair na rua encontrou vários curiosos contando cada um a sua versão da mulher
misteriosa. Algumas horas depois, na venda do finado Chico do Porco pude ouvir os relatos
das pessoas que perseguiram a mulher até ela evaporar: Disseram que ela virou fumaça na
rua da Malhada. No final de semana ouvi Zelito, do Bar Canequinho contando que a dita
mulher entrara no seu bar, pediu um cigarro, acendeu e entrando no banheiro, evaporou.
Vários boatos ouvimos na época. Alguns diziam que ela crescia na frente das
pessoas ficando com até cinco metros de altura. Isto eu não vi, não posso afirmar, mas
aqueles buracos no lugar dos olhos e aqueles dentes enormes, eu vi . Nesta época eu ainda
não tinha minha Kodak tira-teima. Que pena!
O LOBISOMEN DO SÃO ROQUE
Estávamos no ano de 1978 e a curiosidade sobre os mistérios da vida já há
muito me inquietava. A melhor forma de me manter bem informada era escutar atrás da
porta as conversas dos adultos. Sim, pois naquele tempo, as crianças eram retiradas da
sala, na melhor parte da conversa, coisa que me deixava totalmente transtornada. Ouvia
inicialmente meu avó Pedro Ângelo, contar as estórias dos lobisomens do Curralinho, que
eram expulsos a tiro de espingardas das casas de farinha; depois, os relatos de tia Iaiá, sobre
o lobisomem do bairro do Alegre. Esta jurava ter visto o tinhoso de quatro-pé, rosnando em
sua direção.
Uma coisa era certa, sempre se sabia quem era o infeliz, que, por ter batido na
mãe se transformava em uma besta-fera nas noites de lua cheia no período da quaresma.
Todas estas estórias eram como gasolina na fogueira, estimulavam minha curiosidade e
claro; minha vontade de ver um lobisomem.
Um dia, próximo dos meus 12 anos, ouvi uma conversa do saudoso Zequinha da
Galinha: Ele tinha visto “sinais” de que um “tal fulano de tal”,estava virando lobisomem
no bairro do São Roque. Afirmava veementemente, ter visto o bicho e reconhecido a
figura humana por baixo daquela aparência enorme de cachorro com a cara larga. Segundo
Zequinha, a besta corria pelo bairro, principalmente pelas ruas da bastiana, Pedro Teles e
nas imediações da capela do São Roque. Parece que o pobre coitado tinha sido perseguido
por moleques, mas acabara por escapar.
Faltavam duas semanas para a sexta-feira santa e tive que correr contra o tempo
para ver o lobisomem, pois a lua cheia se aproximava.Visto o perigo que representava
os meus planos, tentei consegui alguns aliados e colaboradores, mas o medo impedia os
colegas de investirem no meu projeto macabro. Na noite de lua cheia, peguei a minha
máquina Kodak tira teima, e me postei com o rosto grudado na portinhola da janela do
quarto da frente da minha casa. Dali eu podia ter uma visão ampla de quem subisse
ou descesse aquelas ruas do alto do São Roque. À meia noite em ponto, ouvi um uivo
aterrorizante. Segurei a câmara com força me colocando em prontidão. Gritos de homens e
passos rápidos foram ouvidos e por mais que eu me movesse, não conseguia ver da janela
o que se passava. Tentei criar coragem para abrir a porta, mas concluir que não valia a pena
acordar meus pais e certamente tomar uma surra por causa de um lobisomem.
No outro dia, levantei cedo e corri para a rua; as pessoas não falavam noutra coisa.
O lobisomem tinha sido ferido em frente a capela do São Roque. Fui conferi e lá havia em
cada degrau da escadaria da igreja, duas pegadas de sangue, em forma de pata de cachorro.
Acho que parecia com pata de cachorro. Tentei descobrir o que tinha acontecido, mas como
disse no início, naquele tempo, criança era tirada da sala na melhor parte da conversa.
Entre pedaços dessas conversas, descobri que o homem que era Lobisomem foi liberto
da maldição, devido a ferida feita pelos seus perseguidores que na verdade eram amigos
tentando libertá-lo. E ainda vive até hoje o fulano de tal, mas não conto quem é, nem a
adulto nem a criança. Deus que me livre!
Os ratos de minha filha
Eu estava sentada na sala, observando minha filha de sete anos, que
assistia um desenho animado em um desses canais fechados, enquanto
me perguntava como ela conseguia ficar um turno inteiro assistindo uma
série daquele desenho. O nome do desenho é Padrinhos Mágicos. Nossa
senhora! Imaginem vocês que um garoto chamado Timi, personagem
principal da história, possui dois, não um, mas dois padrinhos mágicos,
que atendem pelos nomes por Vanda e Cosmo. O garoto Timi é um
desequilibrado que não sabe o que quer e o padrinho Cosmo, expressa
pela forma de agir e pensar a impossibilidade de ter um cérebro.
Perguntei a minha filha o que ela tanto gostava naquele desenho e ela me
respondeu sem pestanejar: A burrice de Cosmo...
Bem, na verdade o motivo desta introdução foi para relatar o cenário
que eu me encontrava, quando recebemos a visita de um casal de amigos
fazendeiros que nos fornece leite, daqueles que a nata bóia em cima da
vasilha com menos de uma hora depois da ordenha. Meire depois das
saudações de costume cheia de beijos e cheiros. Ela tem a mania de me
cheirar e fazer comentários sobre o meu cheiro, sobre meus cabelos,
mas é assim com todo mundo de forma que eu já a chamo mentalmente
de “senhora toque”. Alma boa, mas não tão boa assim, como pude
perceber quando ela chamou Aleteia, a minha filha, e ofereceu um casal
de hamister ( Ai meu Deus ela quer dá ratos a minha filha!) com a resolva
claro que somente se eu permitisse. Foi uma Guerra de olhares, enquanto
tentava rapidamente descobrir um motivo para me livrar daquele
presente, que me causava arrepios, tentava emboçar um sorriso de
gratidão pela gentileza enquanto ouvia as palavras dela vindo de um lugar
bem distante, explicando porque não podia ficar com os animais, apesar
dela estar a um metro de mim. Enquanto isso minha filha não parava
de implorar da forma mais sensacionalista possível: Ajoelhada e com as
mãos posta uma na outra e em postura de oração - Deixa mãe! Deixa!
Deixa! Deixa! Prometeu que cuidaria dos bichinhos, daria água e comida e
nunca, nunca mesmo deixaria sua casinha suja! Não resistir. Deixei.
Hoje, dois meses depois deste fatídico episódio, e de lutar diariamente
contra a minha aversão a ratos, sou obrigada pela responsabilidade
natural de quem respeita a vida ( mesmo de ratos) a trocar a água dos
bichinhos, colocar a comida e limpar as cacas que eles espalham e que se
misturam as rações próprias para esta espécie. Sem falar no marido que
nem chega perto dos bichos, mas não pondera na hora de me chamar às
responsabilidades falando com uma carga de censura – Os ratos estão
sem água!
Para concluir, me vejo novamente limpando a casinha dos ratos enquanto
a pequena manipuladora está sentada em frente à TV rindo da falta de
inteligência de Cosmo – O padrinho mágico mais burro que eu já conheci,
se bem que nunca tive padrinho mágico ou soube de alguma criança que
tenha tido, mas minha filha afirma que eles existem! No fundo, acho
que se eles existes, provavelmente fui enfeitiçada por um, igualzinho a
Cosmo, na hora que aceitei assumir esses bichinhos. Mas neste caso a
burrice foi minha.
Raios e trovões
Raios e Trovões
Quem nos dera coragem e petulância para duvidar verdadeiramente da
crença de nossos antepassados. Por mais que tenhamos o conhecimento de todo processo que
antecede e provoca os raios e trovões, nos é impossível repreender aquele frio na barriga
quando presenciamos um raio cortar o céu de um lado a outro, principalmente quando
acompanhado ao raio, ouvimos o som ensurdecedor da trovoada. Aí então, toda a nossa
lógica e conhecimento científico vão para o espaço e corremos para cobrir os espelhos de
toda a casa. Para piorar a situação sempre nos lembramos dos casos contados pelos mais
velhos, a exemplo do caso de uma Senhora que alheia aos avisos dos vizinhos, insistia em
soltar as baforadas de cachimbo debruçada na janela , enquanto tinha o rosto clareado pelos
raios enfurecidos. Um dia, conta Luiz; que ouviu de seu pai Honorato; depois de uma noite de
relâmpagos, a pobre mulher foi encontrada estática na janela e ao ser tocada havia virado
cinza. Outro caso é o de um Senhor que toda vez que via um raio, desafiava o relâmpago na
porta de sua casa simulando um duelo, com o punho fechado como se segurasse uma espada
o “herege” fazia acrobacias como se lutasse com o raio enquanto dizia para o desespero dos
presentes “venha raio!”. Imaginem estimados leitores o desespero que foi quando um raio
aceitou o desafio e compareceu ao duelo: mais um pobre coitado havia virado cinza.
Há quem jure ser tudo isso verdade. Lá em casa em dia de trovoada, não precisava
nem mandar apagar todas as luzes pois era certo faltar energia, então ficávamos às escuras,
quietos. Era proibido falar, então todos nós sentávamos no sofá e cochichávamos uns nos
ouvidos dos outros, mas quando deixávamos escapulir os risinhos faceiros de criança,
mainha e painho vinham logo ralhando - Olha o respeito! – e dali em diante, recebiamos
aulas sobre os poderes de Deus, principalmente de sua ira, representada pelos raios e
trovões. Tudo isso no escuro e cochichando. Diante disso, não me culpo, quando hoje, em
noite de trovoada me pego sentada no sofá quieta, cabisbaixa e quando necessário falando
baixinho...prefiro não arriscar.
Águas milagrosas
Eu sempre passava dias na casa de minha tia Zinha. Bonita e grande; é assim que me
lembro dela. Recebia-me nas férias letivas, no mês de janeiro. Ela morava nas imediações
do bairro da Brasília, do lado de Dona Baia, (Baia era o nome de uma mulher) seguindo
no sentido do atual bairro de Araçatiba. Resumindo, perto do “Brega” que teve o seu fim
atribuído ao advento do progresso municipal e das doenças venéreas. Quando o rio Pojuca
enchia, suas águas invadiam o quintal da casa de minha tia e então instalava-se a situação
favorável a pescaria de garrafa. Logo depois do natal e festejos do reveion, o material
necessário era encontrado em cada esquina: garrafa da famosa Cidra. Recolhíamos muitas
delas e passávamos horas ralando o fundo de cada garrafa no cimento dos passeios da casa
até que o fundo soltasse, amarrávamos fato de galinha num cordão ou náilon e colocávamos
dentro das garrafas. O cordão tinha que ser longo e na outra extremidade amarrávamos um
pedaço de pau. Jogávamos as garrafas nas imediações das margens do rio e enfiávamos
a madeira na lama para evitar que a garrafa se perdesse ou fosse arrastadas pelas águas.
Ali ficávamos brincando até dá o tempo de fisgarmos camarões e pitus com bocas
enormes.Voltávamos para casa eu e meu primo “Cula” que limpava os bichos e entregava
a minha tia, para que fosse preparado o escaldado de pitu aferventado. Que delícia! O
rio não era ameaçador, era calmo e convidativo. No entanto, minhas férias sempre eram
interrompidas, pois acabava por ser devolvida antes do tempo por causa das minhas
traquinagens: Minha tia tinha medo que um dia eu sumisse entre o quintal e o rio.
voltar da casa de minha tia com queixas, me consolava com os domingos . Era neste dia da
semana que eu fazia o melhor passeio do mundo. Depois de um café reforçado, por volta
das dez horas íamos todos para a fonte da saúde. A fonte na verdade, eu nunca vi. O que eu
via era uma seqüência de banheiros com chuveiros que tinham uma força d´água que me
deixava sem ar. Esses banheiros eram administrados pela família de Seu Zé Branco e do
lado, ele tinha uma quitanda que vendia de carne de fígado ou fígado doido ou fígado de
boi salgado à amendoim coberto com açúcar caramelizado. A destruição para os hiper-
tensos e diabéticos. Como não tinha nenhuma das duas doenças me acabava entre o doce e
o salgado sem culpas. Não lembro quanto custava cada banho. Só sei que era apenas uma
moeda de cruzeiros. Muitas vezes ficava a imaginar, quantas moedas painho gastava por
domingo, visto que eu e meus dois irmãos não parávamos de entrar e sair dos banheiros,
exibindo os corpos magricelos sempre vigiados por minha mãe. Diziam que aquela água
curava as pessoas e que o banho afastava as doenças, alguns anos depois a fonte secou,
dizem que foi por causa de um poço furado lá atrás do parque de exposição. Tenho imensa
saudade das brincadeiras que inventávamos nos intervalos dos banhos enquanto outros
ocupavam os banheiros. A única coisa que me assustava, era atravessar a ponte velha ou
ponte da saúde como era conhecida antes de caonstrução da outra ponte no sentido de Catu.
A água do rio que passava por baixo daquela ponte não parecia a mesma água do rio que
beirava a casa de minha tia. Do rio que me oferecia camarão, pitu e piabas deliciosas
quando amarradas na folha de banana.Eu tinha medo porque, naquela época já era velha a
ponte, e tinha mais medo ainda quando um caminhão a atravessava e me obrigava junto
com meus pais a usar aquelas laterais para pedestres chamadas salva-vidas. A água lá
embaixo parecia me chamar... Mas valia a pena o sacrifício para usufruir das águas da fonte
milagrosa.

Foto: Benedita da Silva
Homenagem a Mulher
Cátia Garcez
Clarice Lispector disse “Sejam vocês mesmas”. Shakespeare afirmou “Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com freqüência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar. Platão afirma “O segredo é não correr atrás das borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até você... E que nós mulheres sejamos fortes como sempre fomos, meigas com aqueles que nos rodeiam e feliz sendo nós mesmas!
Não esperemos pelo reconhecimento do nosso pai, patrão, marido ou filho. Sejamos felizes agora, neste instante. Não esperemos o dia da mulher, o dia do amanhã. Deixemos de lado o peso das heroínas, das Amélias, das Gabrielas... personagens criados pelo quotidiano da ficção machista, essas não nos servem mais.
Convoquemos então todas as nossas amigar, irmãs de sangue e de alma, colegas, vizinhas e façamos homenagem umas as outras. Que cada dia seja eterno, que cada instante seja eterno. Que a busca seja por nós mulheres mães, revolucionárias, operárias, autônomas, desempregadas, silenciadas, mas felizes!
Cada instante é nosso e é para nós que devemos brindar o amor “entre os homens” e as mulheres, pois como diz Carlos Drummond de Andrade “Amor é o que se aprende no limite (...). Amor começa tarde” e como mulher afirmo: Nunca é tarde para ser feliz!
|